domingo, 12 de outubro de 2014

DOIS MOMENTOS DA LUTA CONTRA A REDUÇÃO DA MENORIDADE PENAL. POST 1



Dois momentos da luta contra a redução da maioridade penal. Post 1.

Entre 1995 e 1997 fui juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro e travei intensa luta contra as Organizações Globo e o Governo Marcello Alencar (PSDB), que estavam unidos no propósito de criminalizar a juventude pobre da periferia.

A luta foi travada em vários campos. Editoriais de O Globo responsabilizaram-me indiretamente pelo fato de adolescentes estarem envolvidos com o tráfico de drogas. O argumento central do raciocínio era elementar: como eu aplicava o ECA, que proíbe internação em primeiro processo por tráfico de drogas, isso difundia um sentimento de "impunidade"...

O Governo do Estado, do PSDB, não tinha como alterar o ECA, Lei Federal. Buscou, então, contornar a proibição, como será visto no próximo Post.

Da minha trincheira, uma das medidas adotadas foi incentivar a Universidade a "entrar" na Vara da Infância e Juventude e pesquisar os vários fenômenos cruzados que contribuíam para "convencer" as pessoas de que O Globo e o PSDB estavam certos, apesar das ricas e infindáveis evidências do contrário, isso é, de que reduzir o patamar da maioridade penal incrementaria a violência contra um setor vulnerável da sociedade brasileira e isentaria o Estado de investir na redução das desigualdades sociais.

A retomada do debate, no atual cenário eleitoral, justifica a reprodução de trecho de pesquisa de investigadores da FIOCRUZ (Kathie Njaine e outros), respeitada instituição brasileira, que naquele longínquo 1997 contestava o senso comum. Segue um trecho, com link para a íntegra do trabalho:


"Essa situação vem reforçar a hipótese inicial de que não é importante identificar nem o agressor nem a vítima, na medida em que suas vidas valem pouco (ou nada), que esses papéis podem ser intercambiáveis, e que esse evento fatal não redundará em nenhuma justiça ou em nenhuma indignação da sociedade. Quase sempre, por falta de provas, arquivam-se investigações que nem chegam a processos judiciais. Em uma entrevista do titular da Segunda Vara da Infância e Juventude, o Juiz Geraldo Prado afirmou que mil menores morreram de forma violenta no Rio, entre janeiro e outubro de 1995. Destes, 60% foram assassinados, enquanto 40% foram vítimas do trânsito e dos chamados 'autos de resistência', ou seja, foram mortos sob a alegação de que enfrentaram a polícia a tiros. O juiz comenta que apenas 3% desses jovens tinham sido processados judicialmente (Jornal do Brasil, 1996a). Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz, com base nos boletins de ocorrência policial do Rio de Janeiro, apurou-se que, dos 106 casos de violência contra crianças de zero a cinco anos de idade ocorridos em 1990, em apenas 24 foram instaurados inquéritos. Destes, somente um caso foi concluído, indo a julgamento e o agressor sendo absolvido...

A (des)informação também é fruto do acobertamento de mortes provocadas pelo confronto com policiais. É, no mínimo, contraditório notar que, numa análise da série histórica de 15 anos (1980 a 1994) sobre a mortalidade de crianças e adolescentes do Rio de Janeiro, nenhum óbito decorrente dessa circunstância foi registrado (Souza et al., 1996), quando a mídia diariamente noticia vítimas fatais em tiroteios com a polícia. Em reportagem do Jornal do Brasil, de 7 de abril (1996b), destacam-se o crescimento de mortes de civis por policiais militares, a não-identificação de cerca de metade das vítimas e de suas características pessoais e as falsas noções de que essas pessoas estão sendo mortas por serem supostos criminosos, resistirem à prisão e encontrarem-se fortemente armadas...


A divulgação de informações sobre violência através da mídia

A informação assume a forma e a importância que lhe é dada pela sociedade. No caso da violência, percebe-se que o grupo social mais vitimizado é aquele socialmente excluído da festa do consumo, desprovido dos símbolos que caracterizam o 'cidadão de bem', revestido pelos signos da pobreza, como ser jovem, negro e morar em morro ou periferia da cidade, sendo identificado como bandido. O fato de ser adolescente ou adulto jovem, dos 15 aos 24 anos, do sexo masculino, também representa risco para esse grupo social, conforme destacam Minayo & Souza (1993). Para estes, a sociedade não se importa em esclarecer a morte, porque no imaginário social essas mortes representam uma espécie de 'limpeza' e de solução para o problema da violência e das questões sociais e econômicas do País. Suas vidas são sentenciadas sumariamente (Cruz Neto & Minayo, 1994). Assim, a 'culpa' socialmente construída e atribuída a esta parcela da sociedade, que passa a preencher a função de bode expiatório, impede que esta mesma sociedade tome conhecimento e responsabilize outros membros, de estratos sociais mais privilegiados, envolvidos em seus processos de criminalidade.

Cabe à mídia uma destacada contribuição na desqualificação das informações sobre violência, pois essa ocupa na sociedade contemporânea um papel importante como mediadora social, como agente de socialização, ao lado da família, da escola e de outras instituições (Rey, 1993). Desse modo, a televisão e demais meios de comunicação são instrumentos, dispositivos culturais e sociais. Quando nesses meios circulam informações sobre o tema violência, é de forma banalizada, gerando muitas vezes um clima de pânico e medo na sociedade. Assim, socializa-se um modo de ver e de interpretar o fenômeno, que distorce a realidade, hipertrofia os fatos através da espetacularização da notícia e da estética das imagens, desvia o foco da atenção para o perigo imaginário que se restringe e localiza em certos tipos de sujeitos e nas camadas e espaços sociais menos favorecidos. Ao gerar informações sobre violência, a mídia reproduz, de certo modo, o processo de transmissão dessas informações efetuado pelos órgãos oficiais do governo, onde o sentido dos diversos tipos de violência que ocorrem na sociedade e, principalmente da violência estrutural, é desfeito ou desrealizado, conforme trata Sodré (1992).

Na verdade, como revela Rondelli (1994/95), a mídia está muito mais voltada a entreter que a informar, tem seus próprios critérios de relevância, e, assim, o tema da violência pode ser politizado ou despolitizado em função do reforçamento e da ampliação dos estereótipos sociais.

Este texto, no entanto, não pretende tratar da relação de causa e efeito que associa a mídia à reprodução ou aumento da violência social, mas analisar a questão da qualidade da informação sobre violência nos espaços privilegiados que ela ocupa dentro de um quadro informacional mais amplo. E é exatamente por se situar nestes lugares na sociedade que a informação deve ser pensada como um elemento de mudança e de transformação social."


Fonte: https://www.facebook.com/geraldoprado?fref=nf 

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