CRACK: INTERNAÇÃO
COMPULSÓRIA E CIDADANIA
Antonio
José F. de S. Pêcego
RESUMO:
Com o movimento
político que pretende promover a internação compulsória dos dependentes
químicos que habitam as denominadas cracolândias (espaços públicos em que
grupos de usuários e dependentes se reúnem para fazer uso da droga denominada
crack), necessário se faz enfrentar essa problemática que envolve aqueles que,
a partir de então, passaram a ter visibilidade social para que se promova a
inclusão e não exclusão social por interesses econômicos e políticos,
reconhecendo-se que têm direito ao exercício da liberdade, da autonomia de
vontade e necessitam de tutela estatal com relação aos seus direitos sociais,
sob pena de grave violação à dignidade humana dessas pessoas com a intervenção
indevida do Estado nos direitos fundamentais à vida, liberdade e igualdade, de
forma a macular a própria cidadania dessas pessoas que integram grupo que vivem
à margem da inclusão social.
PALAVRAS-CHAVE: Tóxico. Dependente. Crack. Internação
compulsória.
ABSTRACT: With the political movement
that aims to promote the compulsory hospitalization of drug addicts who inhabit
the so-called cracolândias (public spaces where groups of users and addicts
come together to make the drug called crack), it is necessary to address this
problem that involves those that, from then on, started to gain visibility for
social action to promote inclusion and not exclusion by economic and political
interests, recognizing that they are entitled to the exercise of freedom,
autonomy and will require state protection in relation their social rights,
under penalty of severe violation of human dignity of these people with the
improper intervention of the state in fundamental rights to life, liberty and
equality, so as to harm the very citizens of these people within the group who
live on the margins of social inclusion.
KEYWORDS: Toxic.
Dependent. Crack. Compulsory hospitalization.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Lei de Tóxicos
e o usuário. 2.1. Política criminal e aspectos materiais. 2.2. Aspectos
processuais. 2.3. Últimas tendências. 3. O crack e sua origem. 3.1. Efeitos. 3.2.
Tratamento terapêutico. 3.3. Internação compulsória. 3.4. Cidadania. 4.
Considerações finais. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O uso de drogas que
alteram o estado mental, ocorre a milhares de anos e assim deverá continuar a
ocorrer por toda a história da
humanidade, sendo certo que
Seja
por razões culturais ou religiosas, seja por recreação ou como forma de enfrentamento
de problemas, para transgredir ou transcender, como meio de socialização ou
para se isolar, o ser humano sempre se relacionou com drogas.
De algum tempo para
cá passou a ganhar visibilidade social as, denominadas, cracolândias (centros
de concentração de dependentes químicos em solo urbano) que estão se espalhando
por inúmeras localidades em Estados diversos da nossa federação, procurando-se
adotar inúmeras soluções para esse grave problema social.
Entretanto, até o
presente momento, nota-se uma maior preocupação em tratar dos efeitos do que
cuidar das causas, promovendo-se, em face da predominância de interesses políticos
e econômicos privados pelas suas áreas, uma verdadeira exclusão social dos
dependentes químicos que habitam essas localidades que não têm tido atenção
social do poder público por serem, até então, um grupo de cidadãos e nacionais
invisíveis, salvo aos olhos de alguns mobilizações sociais em prol da sua
inclusão.
Nessa seara, de um
lado temos a tentativa de alguns governantes de promover a internação
compulsória desses dependentes químicos, agora com apoio político da Câmara dos
Deputados e do Senado, de outro algumas mobilizações sociais contra essa ação e
a favor de uma maior inclusão social desse grupo de invisíveis numa
globalização hegemônica.
2.
LEI DE TÓXICOS E O USUÁRIO
A Lei n. 11.343/2006
revogou expressamente as Leis n. 6.368/1976 e 10.409/2002, sendo que enquanto a
primeira previa pena privativa de liberdade para o usuário de drogas, esta
penúltima criou um imbróglio processual que reclamou à época dos operadores do
direito grande esforço interpretativo sistemático para a sua viabilidade de
aplicação prática.
A lei de tóxicos em
vigor instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD e
passou a prescrever medidas de prevenção do uso de drogas ilícitas, bem como de
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, já
demonstrando em seu preâmbulo a política criminal que pretendia implantar sobre
essa questão, fazendo distinção e, ao mesmo, inclusão social no programa dos
dois pólos que atuam no uso de drogas ilícitas (usuário e dependente), bem como
apontando expressamente os princípios que iluminam o SISNAD, dentre os quais,
destacamos o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, à diversidade
e às especificidades populacionais existentes, e a promoção dos valores éticos,
culturais e de cidadania do povo brasileiro (art. 4º, I, II e III), o que
demonstra e comprova que o Estado é que deve servir ao seu povo e não o
contrário, isso em face dos princípios fundamentais da dignidade humana e da
cidadania que estruturam o nosso Estado Democrático e Social de Direito.
2.1.
Política criminal e aspectos materiais
Conforme anunciado no
preâmbulo, a Lei n. 11.343/2006 de fato inovou de forma progressista a
problemática das drogas ilícitas, fornecendo o legislador infraconstitucional aspectos
que permitissem ao julgador fazer uma mais correta, objetiva e transparente diferenciação
do usuário/dependente do traficante de drogas, ao apresentar no § 2º do art. 28
da Lei de Tóxicos, os critérios que devem ser observados no caso concreto, como
trago à colação:
Art.
28. ...
[...]
§
2.º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá
à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em
que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à
conduta e aos antecedentes do agente.
Ao contrário das
legislações anteriores sobre tóxico, agora há parâmetros legais para análise
tanto do Ministério Público, como titular da ação penal, como do Magistrado
quando do julgamento do processo criminal, embora não vejamos com bons olhos a
análise dos antecedentes do agente que nada diz respeito a um direito penal do
fato, mas sim ao do autor pelo que fez no passado, questão de duvidosa
recepcionalidade constitucional.
Lado outro, o
legislador inspirado numa contemporânea política criminal de descarcerização e
despenalização, deixou de impor sanção privativa de liberdade ao usuário para viabilizar
a aplicação de medidas socioeducativas ou alternativas, como (I) advertência
sobre os efeitos das drogas; (2) prestação de serviços à comunidade, e (3)
medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, considerando
que quando em vigor das leis anteriores, havia previsão legal da pena de
detenção de até dois anos e pagamento de multa para o usuário/dependente (art.
16 da Lei n. 6368/1976).
Assim, extrai-se do
constante do preceito secundário do artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, como acima
citado, que o legislador, corretamente, gradativamente retira da ciência penal
aquilo que diz respeito a outras ciências, ou seja, afasta do
usuário/dependente a pena privativa de liberdade e à ele, dando-lhe certa visibilidade
social, clama atenção das autoridades e da sociedade como um todo, desviando o
foco criminal para o assistencial à saúde do usuário por meio de medidas
socioeducativas e alternativas, bem como solidifica a competência exclusiva dos
Juizados Especiais Criminais para processar e julgar os agentes que pratiquem
essa infração penal por ser crime de menor potencial ofensivo, considerando que
a Lei n. 11.313, de 28/06/2006, com cerca de dois meses antes da entrada em
vigor da Lei n. 11.343, de 23/08/2006 (Lei de Tóxico), já havia determinada
nova redação ao artigo 61 da Lei n. 9.099/1995 que conceitua os crimes de
competência dos JEPSCrim.
2.2.
Aspectos processuais
Com a fixação dessa
competência, processualmente se abre a perspectiva de aplicação dos benefícios
da transação penal (art. 76) e da suspensão condicional do processo (art. 89)
da Lei dos Juizados Especiais Criminais àqueles que preencham os requisitos
legais, sendo que o primeiro se dá na fase pré-processual e o segundo logo após
iniciada a ação penal, mas ambos evitam o estigma dos malfadados antecedentes
criminais e da reincidência, cumpridas as condições acordadas entre os sujeitos
do processo, uma vez que não há em nenhuma das duas hipóteses sentença penal
condenatória transitada em julgado, mas sim homologatória ou declaratória de
extinção da punibilidade.
2.3.
Últimas tendências
Em virtude dos
reclamos sociais que vinculam o uso de drogas ao aumento da criminalidade, por
meio de um viés populista e simbólico, num verdadeiro retrocesso, o ex-senador
Demóstenes Torres apresentou à época o Projeto de Lei 111/2010 que visa
restabelecer a pena privativa de liberdade de detenção para usuários de drogas,
tendo sido aprovado em 10/04/2013 pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado.
No que, no mesmo
sentido de recrudescer só que de forma mais ampla, com internação compulsória
ou não voluntária, embora não preveja pena privativa de liberdade para o
usuário, mas apenas agravamento do prazo das medidas socioeducativas e
alternativas, se encontra o Projeto de Lei n. 7.663/2010 do Deputado Osmar
Terra (PMDB-RS) na Câmara de Deputados.
Sobre o PL 7663/2010,
vale registrar que está havendo uma mobilização social por parte de ativistas e
especialistas, contra a sua aprovação o que deu ensejo a uma carta à Presidenta
Dilma Rousseff, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal “cobrando a elaboração de uma nova política antidrogas que
não seja baseada em medidas proibicionistas”, quando da recente
realização do Congresso Internacional sobre Drogas – 2013.
Uma das principais
críticas reside justamente na internação compulsória dos usuários prevista no
projeto de lei, tendo assinalado o neurocientista Sidarta Ribeiro, integrante
da comissão científica e organizadora do congresso supracitado:
Constatamos
a falência do modelo proibicionista, nos preocupa que o PL do Osmar Terra aponte
na direção contrária, em particular, priorizando a internação forçada, que a
própria ONU [Organização das Nações Unidas] declara como sendo tortura.
Consideramos inadmissível que o governo da presidenta Dilma, que tem um
histórico de defesa dos direitos humanos, admita que isso venha a ocorrer.
3.
O CRACK E SUA ORIGEM
A origem do nome crack, segundo Adriano Maldaner, Perito
da Polícia Federal, decorre do
barulho produzido pela droga quando queimada para uso. Essa droga ilícita é
derivada da cocaína refinada ou da pasta-base de coca (Erythroxylon coca) em
que se mistura bicarbonato de sódio e água, sendo que “aquecido a mais de
100ºC, o composto passa por um processo de decantação, em que as substâncias
líquidas e sólidas são separadas. O resfriamento da porção sólida gera a pedra
de crack, que concentra os princípios ativos da cocaína” ,
sendo que o efeito dessa droga no cérebro dura de cinco a dez minutos, mas a
sua chegada ao sistema nervoso central leva, em média, de oito a quinze
segundos, o que pode levar mais rapidamente à dependência química ou orgânica se
comparada a outras drogas ilícitas ou lícitas.
No Brasil o
surgimento do crack foi detectado em 1990 por agentes que atuavam no
desenvolvimento de uma política de redução de danos com usuários de drogas
injetáveis, visando inibir a proliferação do vírus do HIV com distribuição de
seringas e “camisinhas de vênus”.
3.1.
Efeitos
A
atuação dessa droga gera os efeitos de sensação intensa de euforia e poder;
estado de excitação; hiperatividade; insônia; falta de apetite e perda da
sensação de cansaço, sendo que em doses maiores tem-se observado
irritabilidade, agressividade, delírios e alucinações, de forma a caracterizar
um verdadeiro estado psicótico, assim
como aumento da temperatura e convulsões, dilatação das pupilas, aumento da
pressão arterial e até convulsões, o que faz com que esses efeitos possam levar
a uma parada cardíaca por fibrilação ventricular, uma das causas de morte por
superdosagem.
O
dependente químico - aqui, entendido como aquele que não consegue mais cumprir
com suas obrigações do dia a dia em decorrência do uso da droga ou dos efeitos colaterais
decorrentes do dia seguintes
(“ressaca ou rebordosa”) - passa praticamente o dia e a noite fazendo uso da
droga, curando-se da “ressaca” ou tentando obter mais droga para uso próprio,
alimentando esse círculo vicioso que faz com que viva efetivamente dependente
ou me função da substância entorpecente, não restando mais espaço para outras
ocupações salutares ao convívio humano em sociedade.
Em
sendo assim, não há dúvidas que os transtornos causados pelo uso de substâncias
psicoativas na esfera biopsicossocial, podem ser qualificados como de grave
problema de saúde pública que reclama uma atuação mais incisiva do Estado na
proteção desse direito coletivo fundamental por meio, dentre outros, de um
estudo e análise epidemiológica, ação que decorre da epidemiologia que,
etimologicamente significa “ciência do que ocorre com o povo”.
3.2.
Tratamento terapêutico
Há
vários modelos de tratamento do dependente químico que muitas vezes se estende
ao seio familiar por se tornarem co-dependentes, uma vez que na questão há o
envolvimento de “aspectos individuais, biológicos, psicológicos, sociais e
culturais” ,
não sendo o nosso propósito nesse curto ensaio com propósitos específicos de
enfrentar a problemática da internação compulsória, qualquer aprofundamento
nessa questão, mas apenas demonstrar que em contradição com a atuação política
que estão querendo impor aos dependentes químicos para satisfazer interesses
que agravam o quadro de exclusão social, se encontram estudos do Ministério da
Justiça por meio da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas – SENAD, bem
como na “atual Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a
Usuários de Álcool e Outras Drogas que se baseia nas recomendações básicas para
ações na área de saúde mental da Organização Mundial da Saúde (2002)”
Sobre
esse tópico, registramos as seguintes recomendações constantes do texto acima
citado:
1) Promover assistência no âmbito de
cuidados primários;
2) Disponibilizar medicamentos de uso
essencial em saúde mental;
3) Promover cuidados comunitários;
4) Educar a população;
5) Envolver comunidades, famílias e
usuários;
6) Estabelecer políticas, programas e
legislação específicos;
7) Desenvolver recursos humanos;
8) Atuar de forma integrada com outros setores;
9) Monitorar a saúde mental da
comunidade;
10) Apoiar mais pesquisas.
Nessa
linha, constatamos que essas recomendações da OMS estão em sintonia com a
dignidade humana, concluindo o tópico supracitado, assinalam de forma
categórica:
Ainda que existam várias formas de
tratamento nos dias atuais, nenhuma intervenção se mostrou mais efetiva que
outra, pois a efetividade do tratamento depende de sua indicação adequada.
Considerando que o quadro clínico e as consequências advindas da dependência de
álcool e drogas dependem de (1) quem usa (indivíduo e fase de vida), (2) em que
momento usa (contexto), (3) tipo de droga consumida, (4) quantidade e (5)
freqüência de uso, a indicação de tratamento dependerá de avaliação minuciosa
inicial. Como essas consequências variam muito, a diversidade de tratamentos
existentes é benéfica, uma vez que torna possível atender a diferentes demandas
de indivíduos distintos ou de um mesmo indivíduo em outra fase dessa doença
crônica.
Portanto,
o tratamento deve ser o mais individualizado possível. (grifo nosso)
3.3.
Internação compulsória
Tramita
na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 7663/2010 do Deputado Osmar Terra
(PMDB-RS) que prevê a internação compulsória de usuários de drogas, sendo que é
noticiado na imprensa escrita e falada que os governos do Rio de Janeiro e São
Paulo pretendem implantar essa política pública, contudo esse atuar vai de
encontro às recomendações da OMS no que diz respeito ao tratamento terapêutico
do usuário e dependente de drogas, como inicialmente apresentado, já tendo sido
assinalado por Léon Garcia, Representante do Ministério da Saúde e Coordenador
Adjunto de Saúde Mental, em entrevista à Agência Brasil que:
A internação involuntária é o fracasso da clínica no campo da
saúde mental. Qualquer psiquiatra que faz uma internação involuntária
o faz através do fracasso da sua capacidade de cuidar. Ela ocorre quando
nada mais deu certo. Não podemos ter uma política pública baseada no fracasso.
Sobre essa questão, igualmente
à Agência Brasil, Luciana Boiteux, Professora de Direito Penal da UERJ, pontuou
que essa ação compulsória é arbitrária e gera mais gastos e danos econômicos do
que resultados, consignando que esse projeto de lei é um retrocesso ao
assemelhar as internações compulsórias ao tratamento dado aos dependentes
químicos antes da Lei Antimanicomial (Lei nº 10.216/2001
), finalizando a sua crítica à
pretensão legislativa ao assinalar: “Essa é uma lógica que amplia o tratamento
não no âmbito da saúde pública, por meio de comunidades terapêuticas, mas pela
institucionalização de forma higienista”
.
Essa
política mediática e simbólica para satisfazer interesses econômicos e
políticos, promove uma verdadeira exclusão social desse grupo invisível de
usuários e dependentes químicos que passaram a ter visibilidade a partir do
instante que criaram um espaço próprio na via pública para fazer uso da droga
crack, denominados de cracolândia. É uma promoção que ocasiona uma falsa
sensação de segurança à população e de se estar tutelando à saúde pública, quando
na verdade se está excluindo do espaço público um grupo que o Estado deve
proteger com a implementação de seus direitos sociais previstos na Constituição
e assegurar o livre exercício da cidadania, tratando das causas e não apenas
dos efeitos.
Com
esse atuar, macula-se o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana num
Estado Democrático e Social de Direito, a liberdade e a igualdade, estes direitos
humanos fundamentais de primeira dimensão que reclamam uma ação negativa do
Estado que deve se abster de intervenção na esfera individual do indivíduo,
conforme leciona Ingo Wolfgang Sarlet,
uma vez que a internação compulsória do dependente de drogas só é possível judicialmente
quando estiver sob a curatela do art. 1767 do CC e, nos moldes que se pretende
implantar, fica inviável a necessária individualização terapêutica do
usuário/dependente de crack, de forma que de fato essa ação nefasta irá
produzir realmente uma higienização social, o que interessa à globalização
hegemônica do neoliberalismo, mas não à globalização contra-hegemônica que se
espelha no Fórum Mundial da Saúde – FMS e não no Fórum Econômico Mundial - FEM.
A própria Lei de
Tóxicos (Lei n. 11.343/2006) prevê em no Título III (“Das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas”) - diga-se de passagem,
modernamente - como se deve atuar nessas duas frentes da prevenção e reinserção
social, bastando a implementação ou continuidade desses serviços de relevância
social, com o Estado tutelando a saúde pública como deve fazer por se tratar de
um direito social fundamental.
Sob esse aspecto,
trazemos à colação importante julgado em que se apontam dados relevantes que
reclamam ações afirmativas a serem observadas pelo poder público:
O
problema do uso de drogas (crack, em especial) é atualmente uma questão
de inadiável relevância e importância social, que requer permanente e cada vez
mais aguda atenção das entidades federadas, em todos os níveis de governo,
estas que não se podem esquivar das obrigações que lhes são constitucionalmente
traçadas, sob o argumento (sempre invocado) da ausência de estrutura física, de
pessoal ou de projetos e/ou ações de implementação de uma política de
prevenção, tratamento e recuperação de dependentes químicos. - É verdade que há
dificuldades orçamentárias. Todos os sabem. Mas todos sabem também que os
recursos existem. O que não existe é a aplicação desses recursos, que se
evaporam como água no calor. Dos mais de 400 milhões de reais disponibilizados
pela SENAD (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) apenas cerca de 20%
foram aplicados. O Brasil disponibiliza menos de ½ (meio) leito para cada
Município (2 mil e quinhentos leitos para todo o País) (Fonte: Estado de Minas
de 11.7.2011 - pág. 7). Ora, num quadro assim caótico falar-se em reserva do
possível é quase um abuso. - Como bem anotou o Exmo. Ministro Celso Mello,
quando do julgamento do AgRg no RE 271.286-8/RS: O caráter programático da
regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos
os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa
constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira
ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável
de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado.
Essa política nefasta da
internação compulsória dos dependentes químicos já ganhou repercussão mundial,
tendo recentemente, no último dia 05/03/2013, em Genebra na Suíça, Juan E.
Mendez, Relator da ONU para o enfrentamento à Tortura
apresentou
relatório ao Conselho de Direitos Humanos no
qual sinaliza que as internações compulsórias para tratamento de usuários de
Crack, prática adotada por autoridades em várias capitais do Brasil, como São
Paulo e Rio de Janeiro, podem se constituir forma de tortura.
Em sendo assim, a política da
internação compulsória está andando na contramão da inclusão social e do respeito
aos direitos humanos e sociais fundamentais que englobam, dentre outros, a
saúde, a educação, a segurança, a proteção à infância e a assistência aos desamparados.
3.4. Cidadania
A cidadania, juntamente com a
dignidade da pessoa humana, faz parte dos princípios fundamentais que
constituem o nosso Estado Democrático e Social de Direito (CF; art. 1º, II e
III), não se podendo restringir esse princípio ao direito fundamental de ser
cidadão àquele que tem capacidade de votar e ser votado, assinalando Dalmo de
Abreu Dallari que
Através
do conceito de cidadania afirmam-se os direitos fundamentais da pessoa humana,
na perspectiva da convivência, que é necessidade essencial de todos os seres
humanos. Assim, conjugando-se os aspectos individuais e sociais, acentua-se
também o dever de participação, inerente à cidadania.
Com
efeito, se efetivamente cidadania se revela na capacidade que um conjunto de
direitos confere à pessoa de participar da vida e do governo de seu povo, de
forma ativa, quem não a tem se encontra na condição de excluído da vida social,
à sua margem,
ou seja, invisível, não participando da tomada de decisões por se encontrar sem
visibilidade, na condição indesejável de vulnerável socialmente.
Ora,
diante desse quadro, faz-se necessária a participação obrigatória de
representantes da comunidade na área da educação e saúde, bem como em órgãos
públicos que tratem dos direitos da criança e do adolescente, concretizando a
democratização da sociedade que se dá por meio do exercício dos direitos da
cidadania,
que inclui o fomento à inclusão social daqueles que vivem à margem da sociedade
civil, dando-lhes reais condições dignas de vida e moradia.
4. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Ante todo o exposto, entendemos que
a política da internação compulsória de dependentes químicos que estejam em
situação de vulnerabilidade social, sem que sejam curatelados, não atinge as
recomendações terapêuticas da OMS e SENAD, viola direitos humanos fundamentais
e promove a exclusão social daqueles que vivem na invisibilidade em sociedade.
Tal procedimento atende
interesses econômicos e políticos, mas não o público de promover o bem-estar da
população ao assegurar o acesso e a concretude dos direitos sociais
fundamentais, aproximando-se de uma conduta que pode vir a configurar tortura,
conforme consta de relatório enviado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU,
prática vedada na legislação constitucional e infraconstitucional no Brasil.
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