quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

MILITARIZAÇÃO DAS FAVELAS É UM ESTADO DE SÍTIO INCONSTITUCIONAL

Nilo Batista: “Militarização das favelas no Rio de Janeiro é um estado de sítio inconstitucional”

Por Patrick Granja, especial para  jornal A Nova Democracia


No mês de novembro, a reportagem de AND, juntamente com a equipe da Agência de Notícias das Favelas, foi ao Instituto Carioca de Criminologia, sediado no tradicional bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Nossa tarefa era entrevistar seu fundador, o advogado e professor Nilo Batista. Em um breve bate-papo, o jurista condenou veemente a militarização das favelas do Rio de Janeiro e disse que a iniciativa é um atentado aos direitos constitucionais de seus moradores. Ainda segundo ele, essa nefasta política dita de segurança pública não seria viável sem o suporte publicitário do monopólio dos meios de comunicação.

Enquanto as UPPs avançam sobre uma das maiores favelas do mundo — a Rocinha — a população das regiões já militarizadas segue denunciando o regime de exceção instaurado pelo Estado nesses locais. O advogado criminalista Nilo Batista, ex-vice-governador do estado do Rio de Janeiro e fundador do Instituto Carioca de Criminologia, é um dos destacados denunciantes dessa obscura política nutrida pelos gerenciamentos Cabral, Paes e Roussef.

A UPP, antes de mais nada, é uma iniciativa completamente inconstitucional, que tem o apoio da grande mídia acrítica. A série de restrições a que os moradores dessas favelas são submetidos só seria possível se fosse decretado estado de sítio ou estado de defesa, consultado o conselho da república, o conselho de defesa e o congresso nacional. Só assim seria possível levar a cabo essas restrições em território brasileiro, porque ali, a constituição não está tendo vigência. A começar pelo simples direito de ambulação, do qual essa grande mídia costuma ser tão ciosa, esse direito de ir e vir, um direito tão elementar, é proibido porque acontecem toques de recolher. Outra questão são as festas e manifestações culturais serem tutelados por uma autoridade policial militar. Isso é absolutamente inconstitucional — garante o jurista, que em seguida aponta o monopólio dos meios de comunicação como mentores publicitários desse estado de sítio.

Se isso não estivesse ligado aos grandes lucros que virão dos megaeventos esportivos que acontecerão no Brasil, nos quais a mídia tem a fatia mais importantes, através dos milionários contratos de publicidade e patrocínio, já tinha ido para o ralo esse negócio de UPP. Porque os fracassos, os abusos já estão muito evidentes. Isso não é polícia de proximidade. Isso é polícia de conflito. É completamente irracional a segurança pública ser o eixo das outras políticas públicas. Pobres os locais onde a polícia é o veículo dos outros serviços — critica Nilo.

Nesse avanço do Estado de polícia, a pena virou uma divindade no Brasil, o que é muito ruim. E aí, eles dão voz aos explicáveis sentimentos de vingança das vítimas, alavancam isso tudo, procuram criar clamor popular, etc. Faça uma manifestação pedindo a descriminalização do crime de apologia, que é claramente inconstitucional diante da liberdade de manifestação prevista na constituição. Não vai haver uma nota nos jornais. Claro. Pois são jornais antipopulares, que só olham o povo com os olhos do choque de ordem, com os olhos do higienismo, com os olhos do ‘bota abaixo’, com os olhos das oligarquias sanguinárias, fascistas, que sempre mandaram nesse país e continuam mandando. Agora, faça uma manifestação para pedir pena. Se tiver pouca gente, eles vão usar ângulos de filmagem e fotografia mais fechados, vão dizer que estava cheio, que tinham muitas pessoas. Vão dar todo o espaço nas páginas dos jornais — protesta o advogado criminalista.

Em seguida, Nilo Batista criticou a ocupação dos Complexos dos Alemão e da Penha pelo exército e disse que a iniciativa configura um atentado à constituição.

O adestramento das forças armadas é feito para a guerra, que é um lugar de não-direito. O do policial é feito para o direito, para a legalidade. Na organização militar, a obediência, a ordem, devem ser vinculantes. A legalidade não está em questão. Até porque você está em um ambiente de não-legalidade. O policial tem o dever de checar a legalidade de uma ordem que lhe for atribuída. Coisa completamente diferente no âmbito militar. E essa aproximação entre o poder punitivo e suas agências e o poder militar é muito ruim para a democracia. Se você olhar para o século XX, que foi um século com muitos genocídios, perto de cada genocídio você vai encontrar, ou forças policiais militarizadas, ou forças militares com funções policiais. É com essa receita que, no Complexo do Alemão, nós estamos caminhando inadvertidamente — aponta o jurista.

Sobre a censura sofrida pelas reportagens de AND e ANF no Alemão, na ocasião em que soldados tentaram impedir os jornalistas de registrar imagens, Nilo diz ser mais um sinal desse estado de sítio inconstitucional.

Só com estado de sítio seria possível isso. É um sinal desse autoritarismo com o qual a gente convive e que essa grande mídia silencia porque ela é sócia dos lucros disso — diz.
O jurista também comentou a prisão de quatro operários do PAC, moradores do Complexo do Alemão, acusados de desacato por soldados do exército e encarcerados durante quatro dias em uma prisão estadual.

Ainda que eles fossem condenados pelo desacato, eles não cumpririam pena privativa de liberdade. A relação que nós observamos entre os desacatos lavrados em favelas com UPPs e os abusos de autoridade de policiais é a mesma relação que encontramos entre os homicídios e os autos de resistência nas favelas. Ou seja, atrás de cada desacato lavrado em favelas com UPP, na maioria dos casos, existe um crime de abuso de autoridade cometido pelo mesmo PM supostamente desacatado. Isso nunca é investigado, porque, quando arquivam o desacato, arquivam o abuso também. Uma vez, eu defendi uma senhora do morro dos Prazeres que questionou a atitude de um PM que agrediu o filho dela e foi presa por desacato — relata.

Essa é mais uma das consequências de um estado de sítio inconstitucional, que foi decretado por um secretário de segurança, por um governador de estado, contrariando a constituição. E a mídia silencia, porque nada pode atrapalhar os seus lucros que estão por vir. Essa política tem que ser um sucesso de qualquer maneira, nem que seja, sem trocadilho, na porrada, como está sendo — conclui Nilo Batista.

 (*) Nilo Batista é ex-vice-governador do Rio de Janeiro (na gestão de Leonel Brizola), jurista, fundador do Instituto Carioca de Criminologia, o ICC, professor do quadro permanente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Cândido Mendes, professor titular de Direito Penal na UERJ e na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ZAFFARONI E SUA PERPESCTIVA SOBRE A REINCIDÊNCIA

Zaffaroni: "La reincidencia sólo tiene como resultado impedir la libertad condicional"

El juez de la Corte rechazó el agravamiento de una pena por condena anterior; el tribunal superior de Tucumán ya lo consideró inconstitucional.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A INFLUÊNCIA DA JUDICATURA EM DETRIMENTO DA DOUTRINA JURÍDICA


Olá, lendo a obra acima, em especial o subitem 2.3.4.1: Os grupos de pressão especializados (p. 33-5), tomo a liberdade de transcrever parte do trecho para reflexão desse fenômeno que nos assola:

"Fenômeno interessante a respeito é a progressiva influência adquirida pela judicatura em detrimento da doutrina jurídica. Uma das principais condições que contribuem para isso é a direta configuração das associações judiciais como grupos de pressão, que asseguraram presença permanente no debate público, algo que só de forma muito mais limitada guarda correspondência com a doutrina jurídica. O mais próximo na Espanha a tudo isso no âmbito jurídico-penal é o Grupo de Estudos de Política Criminal, que realiza um trabalho contínuo de estudo de temas político-criminais conflitivos, plasmado em uma série de publicações que oferecem alternativas legais, algumas das quais com reflexo direto sobre certas iniciativas legislativas, e que leva a cabo de forma mais esporádica pronunciamentos sobre temas que no momento são objeto de debate político.

O grupo de professores alemães que elaborou propostas penais alternativas com certa frequência, até que em 1966 propôs um projeto alternativo de Código Penal de notável influência, é outro exemplo. Outro elemento relevante pode ser a incapacidade da doutrina de oferecer dados ou análises sobre a realidade empírico-social, dado o seu alarmante descuido em relação a essas matérias, o que revaloriza as contribuições baseadas na experiência cotidiana dos juízes. Também não se pode olvidar a escassa capacidade doutrinária para levar em conta a prática judicial, que se acentua entre outros motivos com a separação entre Direito substantivo e Direito processual. De um modo ou de outro, implica a predominância significativa de um grupo de pressão subtancialmente corporativo diante de outro científico." (Grifo nosso)

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

DIREITO PENAL E A MORAL

Artigos

7 janeiro 2013
Novo código

O Direito Penal não pode ser o guardião da moral


Já se passam quase 25 anos da inauguração do estado (social) democrático de direito brasileiro, e o processo de constitucionalização dos direitos, amplamente discutido na década de 90 perdeu-se no tempo. Tanto os valores quanto os princípios constitucionais não conseguiram cumprir sua função de nortear o direito posto, uma vez que pouco ou nada foi alterado no sentido de alinhar-se aos princípios constitucionais.

Quando falamos em princípios constitucionais chamamos um conceito novo a partir do qual a norma jurídica justifica sua existência e permite alinhar seu sentido aos valores constitucionalmente vigentes. Assim como nos lembra constantemente Lenio Streck, não há norma sem princípio e não há princípio sem norma. Seria necessário, insuficiente, cremos, mas necessário um movimento legislativo que promovesse uma releitura sistemática dos diplomas legais para verificar a sua adequação ao novo modelo social que se implanta no Brasil pela constituição de 1988.

O direito é mecanismo de gestão de conflitos, de criação/preservação/manutenção de equilíbrio, e agora, mais que nunca de promoção de valores sociais, reconhecidos na constituição que é (ainda) compromissória[1], já que suas promessas (reedição de boa parte das promessas da modernidade na verdade) continuam incumpridas[2].

O fato é que a busca dos caminhos da efetividade dos projetos constitucionais tem sido bem mais complexa do que as escolhas que nos levaram a eles. É que o momento da contradição, da falta de sintonia entre o discurso (promessas) e a prática (benesses) chega a um grau de visibilidade que não suporta mais as máscaras dos discursos. As coisas que deveriam acontecer não aconteceram e a promoção daquele tão bem falado estado de bem estar social claudica. Não acontece, e se acontece é de maneira tão lenta e tão pouco sólida que não sacia a sede de quem por tanto tempo, tanto esperou e tão pouco tem colhido.

É este o panorama jurídico. Reconhecemo-nos como indivíduos, mais do que isso, como indivíduos plurais, estamos (pelo menos formalmente) inseridos em um estado social e senhores que somos, de direito, fazemos o que era de se esperar: sindicamos o que é nosso. As respostas não vem, se vem, vem de forma ambígua, incerta, aleatória. A cada dia que passa nos sentimos mais dependentes da bondade dos bons, da justiça dos justos. Apelamos para a caridade dos caridosos e aos argumentos das mais diversas vertentes das teorias argumentativas que nos levam de volta à filosofia da consciência, ao solipsismo moderno onde o homem, senhor da razão racional tudo pode a partir dela, e a partir dela tudo faz. Como deuses, decidimos à nossa imagem e semelhança. São os passos incertos que damos em busca do maior dos mitos da modernidade: o mito da segurança. A qual segurança nos referimos? A qualquer uma, a todas elas, tanto faz, o mito nos leva ao mesmo lugar. Ao sindicarmos saúde, educação, previdência, segurança (no sentido estrito – seja ela policial preventiva, policial repressiva ou judicial) pretendemos a mesma coisa. Garantias, certezas.

O tema precisa ser posto de maneira mais alongada, como fizemos, para que efetivemos a crítica proposta aqui: possuímos o vício recorrente de apostar muitas de nossas fichas no direito penal. Por várias vezes nos surpreendemos dizendo: isso deveria ser crime, ou aquele indivíduo deveria estar preso. Em suma, os que são diferentes de nós deveriam ser excluídos, de forma drástica e exemplar, para que todos fossem iguais a nós. A idéia não é estranha, imaginem todos compartilhando dos mesmos valores, respeitando aos mesmos bens e desprezando outros de menor importância. Não é estranha, mas é incorreta.

O direito penal não é e nem pode ser o guardião da moral perdida. Não é? Bem, acho que era, e continua sendo. E, agora nossa tristeza ao debruçar-mo-nos sobre o anteprojeto do novo código penal, parece ter a mesma pretensão.

O projeto do novo código se aproxima, se adéqua e seria mais coerente se protegesse os valores defendidos pelas constituições revolucionárias. Da parte geral à parte especial notamos claramente que a “Comissão de juristas gosta do Direito Penal do Risco”[3].

A crítica vem do fato de que o projeto não se preocupa em alinhar-se com o modelo sancionatório e com as razões de punir construídas pelo legislador constitucional. A constituição foi abandonada, não serve de norte nem encontra no projeto a busca da coerência e integridade de Dworkin. A título de exemplo: O “domínio da vontade” ampara estrategicamente o “domínio do fato” no artigo 38. Nele ainda não só o que devia, mas o que podia (o projeto não explicita circunstancias) agir para impedir o delito concorre para a sua prática: é a inação sem nexo como causa de responsabilização penal. Dolo e culpa insuficientes para determinar a vontade, ganham um parceiro: o dolo eventual “tertio genus” de vontade – o legislador esqueceu-se da culpa consciente, por que não uma quarta subdivisão da vontade[4]? Seriamos ainda fiéis à teoria finalistica?

Bem, tanto mais há para falarmos, pena que o espaço é curto. Bem encerro este pequeno ensaio com três questões: a primeira, a mais complexa, quando conseguiremos nos livrar do modelo individual e alcançar os criminosos que ofendem aos bens supra individuais como meio ambiente, grandes fraudes, crimes fiscais e outros? Precisamos nos lembrar que os que furtam galhinhas estão cansados (será?) de ser a clientela preferencial do direito penal.

A segunda é: por que recuperamos a figura do dirigir sem habilitação, da lei de contravenções penais[5], não recepcionada pela CF de 1988, em pleno vigor, apenando o condutor com prisão de um a dois anos, e ao mesmo tempo pretendemos punir o homicídio culposo no transito com pena de um a quatro anos? O primeiro é crime de risco, de risco abstrato, é a abstenção de mera formalidade que, diga-se de passagem, rende grandes somas de recursos aos cofres públicos. Qual é o referencial bem jurídico que nos permite traçar proporção tão absurda?

E, por fim e mais que isso, por hábito, onde fica o princípio da subsidiariedade quando insistimos em punir crimes contra a honra, tão bem e eficientemente resguardados pelo direito civil? É necessário reaprendermos direito penal para tentarmos fazer algo melhor. Caso contrário, que fique o velho código de 1944, reedição de tantos outros e mais tolerante que o novo projeto.

[1] Apesar de canotilho falar da morte da cosntituição dirigente ressalta que seu caráter histórico (o da constitucição) ainda a faz seu modelo dirigente vivo eonde historicamente ele se faz necessário.
[2] Expressão de Streck.
[3] http://www.conjur.com.br/2012-mai-08/lenio-luiz-streck-comissao-juristas-gosta-direito-penal-risco
[4] O interessante é que a culpa gravíssima entra no homicídio e somente nele, aumentando a penal, aqui está nosso quarto grau de vontade.
[5] Artigo 204.


Leandro Correa de Oliveira é professor de Direito Constitucional e Teoria do Direito na Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Doutorando em Direito Público.

Edson Vieira da Silva Filho é professor da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Mestre pela Universidade São Francisco (USF) e pela UFPR. Doutor pela Universidade Estácio de Sá (Unesa) e pós-doutorando pela Unisinos.


Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2013