sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ARGENTINO E O MINISTÉRIO PÚBLICO


Novo CPP argentino gera críticas sobre poder dado ao Ministério Público




Sancionado pelo Congresso argentino em 5 de dezembro, o novo Código de Processo Penal do país divide parlamentares. Impulsionado pelo governo de Cristina Kirchner, o texto motiva divergências na área de criação de processos e designação de cargos no poder. As informações são do site Epoch Times Brasil.

Junto com o novo código foram criadas 17 novas promotorias e 1.713 novos cargos nas promotorias e defensorias do país. Este foi o ponto da alteração que recebeu mais críticas, por concentrar o poder nos promotores, muitos dos quais poderiam ser afetados pela mudança de poder político.

Representantes do partido radical apontam que o novo CPP argentino dá muito poder ao Ministério Público. Segundo o Epoch Times, o deputado Mario Negri afirma que a promulgação do novo CPP deve vir acompanhada de uma lei para o MP e para o julgamento por um júri.

Por sua vez, o candidato à presidência para as eleições de 2015, Sergio Massa, disse que é preciso colocar ênfase sobre as vítimas, “não sobre os criminosos”. Já o congressista Paul Tonelli, do partido PRO, aponta que faltam a implementação de regras adicionais para que o novo código funcione: a Lei de Implementação, o Código Penal, a Lei Orgânica do Ministério Público, o sistema de justiça infanto-juvenil e a execução de sentenças.

Mais rapidez

A justificativa oficial para o novo CPP argentino é acabar com um modelo considerado inquisitorial com resquícios dos tempos coloniais — o código anterior é de 1991. A proposta do Executivo é tornar esse novo código “uma ferramenta eficaz na luta contra o crime e dar resposta legal em um prazo razoável e oportuno quanto às exigências de uma justiça rápida e eficaz.”

O projeto de lei (que não terá aplicação imediata), entrou em outubro 2014 no Senado e foi aprovado pelos deputados com 130 votos a favor e 99 votos contra.

Ainda de acordo com o Epoch Times Brasil, a principal mudança está na forma da investigação criminal preparatória. No código de 1991, a acusação e julgamento recaíam nas mãos do juiz, em uma situação que coloca em xeque sua neutralidade. O processo também corre em segredo e de forma escrita, por isso não dá lugar à oralidade ou publicidade. A simples confissão do acusado pode ser prova suficiente para condená-lo.

O novo sistema prevê que defesa e acusação se enfrentem “em igualdade de condições” diante de um juiz imparcial que, com base nas provas e argumentos, decide pela condenação ou absolvição. Também pode haver a interferência de um promotor indicado pelo Ministério Público e pela vítima: pelo primeiro, para manter a ordem jurídica, e pelo segundo, para garantir a reparação.

O novo CPP argentino também prevê a redução de três anos para um ano no tempo da investigação criminal preparatória feita pelos promotores. A etapa anterior termina com o julgamento do acusado, enquanto todo o processo (incluindo o julgamento) não pode levar mais de três anos. Outras modificações incluem a possível expulsão do país dos estrangeiros presos em flagrante delito, o julgamento por júri e a suspensão do julgamento mediante prova


FONTE: http://www.conjur.com.br/2014-dez-21/cpp-argentino-gera-criticas-poder-ministerio-publico

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A PROGRESSÃO DA PENA DE PRISÃO E O CUMPRIMENTO DA PENA DE MULTA NA VISÃO DO STF


* Cesar Roberto Bitencourt


1. Progressão de regime

Entre os requisitos ou condições para a progressão do regime de cumprimento de pena não consta a obrigação de haver cumprido a pena de multa! Somente para a progressão ao regime aberto, e, ainda assim, admite que o condenado, quando for o caso, comprove que não pode pagar a pena de multa, pelo seu valor elevado.

Os regimes de cumprimento da pena direcionam-se para maior ou menor intensidade de restrição da liberdade do condenado, sempre produto de uma decisão penal condenatória transitada em julgado. A sanção aplicada possibilita ao apenado progredir ou regredir nos regimes, ampliando ou diminuindo o seu status libertatis. O ponto propulsor de conquista ou de perda de maiores regalias no cumprimento da pena privativa de liberdade consiste no mérito ou demérito do condenado (arts. 33, § 2º, do CP e 112 da LEP). 

A Reforma Penal de 1984 adotou, como se constata, um sistema progressivo de cumprimento da pena, que possibilita ao próprio condenado, através de seu procedimento, da sua conduta carcerária, direcionar o ritmo de cumprimento de sua sentença, com mais ou menos rigor. Possibilita ao condenado ir conquistando paulatinamente a sua liberdade, ainda durante o cumprimento da pena, de tal maneira que a pena a ser cumprida não será sempre e necessariamente a pena aplicada. 

A partir do regime fechado, fase mais severa do cumprimento da pena, possibilita o Código a conquista progressiva de parcelas da liberdade suprimida.

Na progressão evolui-se de um regime mais rigoroso para outro menos rigoroso. Na regressão dá-se o inverso. Contudo, na progressão, além do mérito do condenado (bom comportamento) , é indispensável que ele tenha cumprido, pelo menos, um sexto da pena no “regime anterior”, nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal. 

Isso quer dizer que o condenado não poderá passar direto do regime fechado para o regime aberto, sem passar obrigatoriamente pelo regime semiaberto. O inverso não é verdadeiro, ou seja, o condenado que não se adequar ao regime aberto poderá regredir, diretamente, para o regime fechado, sem passar necessariamente pelo regime semiaberto. Essa possibilidade ocorre porque o art. 118 da LEP, ao contrário do art. 112, permite a transferência para “qualquer” dos regimes mais rigorosos. 

Repetindo, é bom frisar que não basta o simples cumprimento de um sexto da pena para o condenado ter direito à progressão (esse é somente o requisito temporal). É indispensável que o apenado demonstre que merece a progressão e que está preparado para cumprir a sanção imposta em regime menos rigoroso, sem prejudicar os fins da pena. Como lembram Miguel Reale Júnior e René Ariel Dotti, “não se acolheu a orientação adotada em algumas legislações e advogada por uma parte da doutrina, consistente em não fixar o quantum mínimo de cumprimento da pena para a transferência de regime e o livramento condicional. O arbítrio, no caso, seria fonte de injustiças e revoltas com sacrifício dos objetivos da pena e da disciplina do ambiente penitenciário” .

Em se tratando de regime aberto, além do cumprimento de um sexto da pena e do mérito do condenado, deve-se observar se o beneficiário preenche os requisitos do art. 114 da LEP, ou seja, se o apenado está trabalhando ou se demonstra a possibilidade de vir a fazê-lo imediatamente e, se apresenta, pelos seus antecedentes e pelo resultado dos exames a que se submeteu, fundados indícios de que se ajustará com autodisciplina e senso de responsabilidade ao novo regime.

O sistema progressivo, adotado pela reforma penal de 1984, sofre profundas modificações, um verdadeiro retrocesso, em decorrência das alterações patrocinadas pela Lei n. 10.792/2003, que, dentre tantas outras, exclui expressamente o parecer da Comissão Técnica de Classificação e o exame criminológico, além de criar o denominado regime disciplinar diferenciado. Para progredir, teoricamente, o condenado deverá cumprir, pelo menos, um sexto da condenação, e “merecer” o “benefício” evolutivo. Esse merecimento, contudo, será valorado pelo “bom comportamento carcerário” certificado pelo diretor do estabelecimento penitenciário. Não definiu, contudo, o novo diploma legal o que seja esse bom comportamento, lacuna que, certamente, será fonte de profundas divergências.

Não admitimos em hipótese alguma que o condenado possa cumprir pena em regime mais grave que o determinado na decisão condenatória, ao contrário de afirmação em sentido diverso . Não se pode esquecer de que o tempo na prisão arrasta-se letargicamente num clima de angústia, insegurança e ansiedade, agravando inclusive a saúde mental do recluso. O condenado tem o direito público subjetivo de cumprir sua pena nos termos em que lhe foi concedido na decisão condenatória, sendo inadmissível que as deficiências por culpa do Estado recaia sempre sobre os ombros do condenado.

2. A progressão nos crimes hediondos

Faz-se necessária uma pequena análise sobre a proibição quanto à progressão de cumprimento de penas em relação aos chamados crimes hediondos (Lei n. 8.072/90), que, segundo a doutrina, violava o princípio da individualização da pena e o sistema progressivo adotados por nosso ordenamento jurídico. Na verdade, cumprindo disposição constitucional, o Código Penal e a Lei de Execução Penal individualizam a aplicação da pena e o seu cumprimento exercendo uma espécie de função delegada pela Constituição (art. 5º, XLVI). 

À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador deverá efetivar a individualização da pena, observando, evidentemente, o comando da Constituição Federal. Por essa razão o legislador ordinário pode dispor, nos limites das prerrogativas que lhe foram conferidas pela norma constitucional, que, nos crimes hediondos, o tempo de cumprimento da pena no regime fechado possa ser maior (um terço, por exemplo) que aquele previsto para as demais infrações penais, o que não significa impedir a progressão ou violar a individualização da pena. Em outros termos, o texto constitucional permite ao legislador ordinário regular, em cada fase (legal, judicial e executória), a individualização da pena; não o autoriza, contudo, suprimi-la em qualquer de suas etapas, sob pena de violar o núcleo essencial da individualização penal, reconhecida, finalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, como direito e garantia fundamentais (art. 5º, XLVI, da CF).

3. A progressão nos crimes hediondos a partir da Lei n. 9.455/97

A doutrina, em geral, sempre teve grandes dificuldades em aceitar a proibição da progressão nos chamados “crimes hediondos”, a despeito da então orientação da jurisprudência de nossos Tribunais Superiores. Nossa contrariedade à proibição da progressão era mais abrangente, pois além de violar o sistema progressivo de cumprimento de pena e desprezar o objetivo ressocializador atribuído à sanção penal, e, por extensão, a individualização da pena, ignorava a política criminal admitida e recomendada pelo Estado Democrático de Direito. No entanto, o advento da Lei n. 9.455/97, que tipifica e disciplina o crime de tortura, ofereceu, enfim, um fundamento jurídico inquestionável para se reinterpretar a proibição que constava do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, ao estabelecer que o condenado por crime de tortura “iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”, o qual consiste na adoção do sistema progressivo.

Há uma certa unanimidade nacional sobre o entendimento de que a Constituição fixou um regime comum para os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os definidos como crimes hediondos (art. 5º, XLIII, da CF), equiparando-os quanto a sua danosidade social. Com o novo tratamento que a Lei n. 9.455/97 estabeleceu para o cumprimento da pena decorrente de condenação pelo crime de tortura — inegavelmente mais benéfico —, reconhecendo o direito à progressão, estava autorizada a interpretação extensiva da nova dicção legal, para estendê-la às demais infrações definidas como crimes hediondos, inclusive retroativamente. Afora a regra geral de hermenêutica que permite, no Direito Criminal, a interpretação extensiva da lei mais benéfica, há o tratamento uniforme que a Constituição Federal estabeleceu a essa modalidade de infrações penais.

Não se podia ignorar, por outro lado, que a disciplina do cumprimento de pena constante dos dois diplomas legais era conflitante, ou, na linguagem que estamos utilizando, era desuniforme: de um lado, proibia a progressão de regime para os crimes hediondos, terrorismo (ainda não tipificado) e tráfico de entorpecentes (Lei n. 8.072/90); de outro lado, admitia o regime progressivo para o crime de tortura (Lei n. 9.455/97). Contudo, como o ordenamento jurídico é composto por um sistema harmônico e racional de normas, eventuais e aparentes contradições devem encontrar solução adequada no próprio sistema, através das regras de hermenêutica e dos princípios gerais de Direito. Nesse sentido, subscrevemos a conclusão lapidar de Alberto Silva Franco, segundo o qual: “Não há razão lógica que justifique a aplicação do regime progressivo aos condenados por tortura e que negue, ao mesmo tempo, igual sistema prisional aos condenados por crimes hediondos ou tráfico ilícito de entorpecentes. Nem sob o ponto de vista do princípio da lesividade, nem sob o ângulo político-criminal, há possibilidade de considerar-se a tortura um fato delituoso menos grave em confronto com os crimes já referidos” .

Passamos a sustentar que, a partir da edição da Lei n. 9.455/97, dever-se-ia reconhecer a aplicabilidade do sistema progressivo aos crimes hediondos e afins, sem restrições, inclusive retroativamente. Contudo, ignorando o conteúdo do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, o STF resolveu sumular o entendimento que dá tratamento diferenciado à tortura dos demais crimes elencados no referido inciso, como se tivessem naturezas distintas, a despeito de terem sido tratados uniformemente pelo texto constitucional. 

A Súmula 698 tem o seguinte enunciado: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”. 

No entanto, após algum tempo sob a égide desse entendimento sumulado, o STF, em sua constituição plenária, num verdadeiro despertar cívico, através do Habeas Corpus n. 82.959, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que previa o cumprimento da pena em regime integralmente fechado nos crimes hediondos e assemelhados, com voto histórico do Ministro Gilmar Mendes. De certa forma, essa nova orientação, louvável, diga-se de passagem, assumida pelo Pretório Excelso afrontou o conteúdo da Súmula 698, que, a rigor, por coerência, deve ser revogada.

Dois aspectos fundamentais merecem destaque nesse julgamento tão esperado pela comunidade jurídica especializada: (a) o reconhecimento do sistema progressivo e da individualização da pena como direitos e garantias fundamentais, e (b) a eficácia erga omnes de declaração de inconstitucionalidade em controle difuso ou aberto (art. 102, I, a, CF), limitada pelo efeito ex nunc, é bem verdade. O primeiro aspecto esclarece os limites reservados ao legislador infraconstitucional: ou seja, como o sistema progressivo de cumprimento da pena também é uma garantia constitucional, permite ao legislador ordinário o poder de disciplinar a individualização da pena nas fases legislativa, judicial e executória, mas não lhe autoriza, contudo, excluí-la em nenhuma dessas etapas, sob pena de violar esse preceito fundamental. Exatamente aí residia a inconstitucionalidade do dispositivo questionado que obrigava o cumprimento integral da pena em regime fechado, nos crimes hediondos e assemelhados. Seria inócuo, por conseguinte, incluir a individualização da pena entre os direitos e as garantias fundamentais e, ao mesmo tempo, permitir que o legislador ordinário, a seu alvedrio, pudesse suprimir ou anular seu conteúdo. 

O segundo aspecto, não menos importante, foi o efeito erga omnes que o STF atribuiu à sua decisão em julgamento de controle difuso de constitucionalidade; aplicou, por analogia, o disposto no art. 27 da Lei n. 9.868/99, que se refere a julgamento de hipóteses de controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade (ADIn ou ADC). 

Com essa decisão, destaca o editorial do Boletim do IBCCrim, “acolheu o entendimento de que, em se tratando de controle incidental ou difuso, é pertinente à Corte Suprema estender os efeitos da decisão a outras situações processuais suscetíveis de serem alcançadas pelo reconhecimento in concreto de inconstitucionalidade. E assim o fez, em nome da segurança jurídica e do excepcional interesse social, conceitos revestidos também de carga constitucional” .

Essa decisão — com eficácia erga omnes e efeito ex nunc — permitiu que, em outros processos, que ainda se encontrassem em fase recursal ou executória (cuja pena ainda não tenha sido integralmente cumprida), pudessem igualmente ser beneficiados pelo sistema progressivo, desde que seus requisitos fossem examinados, casuisticamente, pelo juiz competente. Referida decisão não ficou, por conseguinte, limitada ao processo objeto de exame no Habeas Corpus n. 82.959, e tampouco permitiu que outros juízes ou tribunais pudessem recusar seu cumprimento invocando como obstáculo o disposto no inciso X do art. 52 da Constituição Federal. 

Essa decisão, na realidade, tornou sem objeto a competência do Senado Federal, como destaca Ministro Luís Roberto Barroso: “A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. 

Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há mais lógica razoável em sua manutenção”. 

Em sentido semelhante, veja-se o magistério do constitucionalista Ministro Gilmar Mendes, in verbis: “A amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, contribuíram, certamente, para que se quebrantasse a crença na própria justificativa desse instituto, que se inspirava diretamente numa concepção de separação de Poderes — hoje necessária e inevitavelmente ultrapassada. Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão somente para as partes?”.

Por fim, cautelosamente, o Supremo Tribunal Federal atribuiu a essa tão esperada decisão o efeito ex nunc, impedindo que retroaja até alcançar aqueles que já cumpriram integralmente suas condenações, nos termos da orientação jurisprudencial anterior. Dessa forma, nossa Corte Suprema buscou impedir possíveis ações reparatórias por cumprimento indevido de penas integralmente em regime fechado.

Finalmente, a Lei n. 11.464, de 27 de março de 2007, seguindo a orientação consagrada pelo Supremo Tribunal Federal, minimiza os equivocados excessos da Lei n. 8.072/90, alterando os parágrafos do seu art. 2º, com as seguintes inovações: a) o cumprimento da pena iniciará em regime fechado; b) a progressão nos crimes hediondos ocorrerá após o cumprimento de dois quintos (2/5), sendo o apenado primário, e de três quintos (3/5), se reincidente; c) em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

No entanto, deve-se considerar que essa lei, embora tida como de natureza processual, na verdade projeta sérios e graves efeitos materiais na execução da pena, agravando sobremodo o regime de cumprimento. Por isso, a nosso juízo, não pode retroagir para abranger fatos praticados antes de sua vigência. No mesmo sentido, manifesta-se Luiz Flávio Gomes, in verbis: “crimes ocorridos a partir do dia 29-3-2007: a Lei 11.464/2007 foi publicada dia 29-3-2007; Entrou em vigor nessa mesma data. Cuidando-se de norma processual penal com reflexos penais, em sua parte prejudicial (novatio legis in peius) só vale para delitos ocorridos de 29-3-2007 em diante. Em outras palavras: o tempo diferenciado de cumprimento da pena para o efeito da progressão (2/5 ou 3/5) só tem incidência nos crimes praticados a partir do primeiro segundo do dia 29-3-2007” .

Finalmente, para uniformizar a interpretação da nova disciplina da progressão de regime nos crimes hediondos, o STF editou a súmula vinculante n. 26, dispondo: para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

3. Progressão de regime antes do trânsito em julgado de decisão condenatória (Súmula 716)

Desafortunadamente, desde o final da última década do milênio passado, tem aumentado assustadoramente as prisões cautelares, que nem sempre têm observado o limite legal de duração (81 dias). A longa demora dos trâmites proces­suais-recursais tem levado inúmeros recorrentes a cumprir grande parte de suas sanções em regimes mais graves que aquele aplicado na sentença ou mesmo naquele previsto em lei para o caso concreto. 

Por outro lado, invariavelmente, esses indivíduos (que são presos provisórios) têm sido constrangidos a desistir de seus recursos para receberem a progressão de regimes, sob o argumento falacioso de que durante a fase recursal é proibida a progressão de regimes. Sensível a essa violência, a que milhares de pessoas eram submetidas, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em boa hora, houve por bem editar a Súmula 716, com o seguinte enunciado: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Com essa oportuna súmula de nossa mais alta Corte de Justiça corrige-se flagrante injustiça que vinha se perpetuando em nossos pretórios injustificadamente. Ninguém desconhece as deficiências do sistema penitenciário brasileiro, que, aliás, de sistema, só tem o nome; assim, sonegar o direito a progredir de regime, quando estiverem satisfeitos seus requisitos formais e materiais, significa punir mais severamente ao arrepio de nosso ordenamento jurídico.

Essa justa preocupação de nosso Pretório excelso foi complementada com a edição da Súmula 717: “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”. Com efeito, uma coisa não inviabiliza a outra, porque a prisão especial aplica-se a todo e qualquer regime de cumprimento de pena. Ademais, essa progressão justifica-se para quando o sujeito não fizer mais jus à prisão especial, pois, assim, quando sair dessa espécie de prisão poderá ingressar no seu verdadeiro regime.

4. Requisitos da progressão de regimes

A Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84) estabelecia que a obtenção de transferência de um regime mais rigoroso para outro menos rigoroso (progressão) ficava condicionada à existência de alguns requisitos, que poderíamos classificar de materiais (cumprimento de um sexto da pena e mérito do condenado) e formais (exame criminológico, quando necessário, e parecer da Comissão Técnica de Classificação):

a) Um sexto da pena: é a exigência de cumprimento de uma parcela da pena no regime anterior, no Direito vigente, fixado em um sexto, no mínimo. Como salienta Celso Delmanto, o legislador não estabeleceu se esse percentual deve ser considerado sobre a pena aplicada ou sobre o restante da pena a cumprir. Na primeira operação não há problema. Evidentemente terá de ser sobre a pena aplicada, e não sobre o saldo restante. Na segunda operação é que poderia surgir a dúvida. Delmanto afirma que, “embora nos pareça que se desejou aludir ao total da pena e não à sua parte ainda não exaurida pela execução (pois a hipótese não é de extinção da punibilidade), na dúvida, a interpretação deverá ser a mais favorável (um sexto do restante)” . Se parece que o legislador desejou aludir ao total, então não há dúvida fundada que autorize a busca de uma interpretação mais favorável. Porém, cumpre reconhecer que a disposição legal não é suficientemente clara.

b) Mérito do condenado: é a demonstração que o condenado deverá dar durante a execução da pena de que está apto para ser transferido para um regime menos rigoroso, que agora passou a ser comprovado com o denominado “atestado de conduta carcerária”, para o recluso que ostente “bom comportamento carcerário”. É a capacidade, a aptidão, é a comprovação da existência de condições que façam presumir que ele, condenado, está preparado para ir conquistando progressivamente a sua liberdade, adaptando-se a um regime mais liberal, sem prejuízo para os fins da execução da pena.

Essa simplificação procedimental da progressão permite, inclusive, a sua obtenção através de habeas corpus, na medida em que não demanda mais dilação probatória, como demonstrou, com propriedade, Andrei Schmidt , e o próprio STF já concedeu (HC 85.688).

c) Reparação do dano, quando se tratar de crime contra a administração pública: a Lei n. 10.763/2003 acrescentou o § 4º ao art. 33, que passou a exigir a reparação do dano ou a devolução do produto do ilícito, para que o condenado por crime contra a administração pública obtenha a progressão do regime. 

Na verdade, esse texto legal deve ser interpretado com ressalvas, isto é, com a visão de que as normas penais, especialmente as restritivas, não podem ignorar o sistema jurídico em que se inserem, no caso, o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF), que, segundo a Constituição Federal, deve obedecer ao sistema progressivo e, acima de tudo, visa à recuperação do condenado. Por isso, essa previsão legal, da forma como consta do texto, pode simplesmente inviabilizar a progressão de regimes, violando a Constituição brasileira.

Com efeito, a previsão acrescida pela Lei n. 10.763/2003 deve ser interpretada nos termos do art. 83, IV, do Código Penal, que, para obtenção do livramento condicional, estabelece a obrigação de reparar o dano, “salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo”. O condenado que não puder reparar o dano deverá fazer essa demonstração de sua impossibilidade e a progressão não poderá ser impedida.

Em síntese, a progressão deve ser uma conquista do condenado pelo seu merecimento (bom comportamento carcerário) e pressupõe o cumprimento mínimo de um sexto da pena no regime anterior (art. 112 da LEP).

O exame criminológico e o parecer da Comissão Técnica de Classificação foram suprimidos pela lei antes mencionada, deixando, portanto, de ser exigidos para progressão de regimes, livramento condicional e indulto. No entanto, como são institutos importantes, e continuam mantidos nos arts. 7º e 8º da LEP, para a individualização do início da execução da pena merecem ser considerados.

1) Exame criminológico: é a pesquisa dos antecedentes pessoais, familiares, sociais, psíquicos, psicológicos do condenado, para a obtenção de dados que possam revelar a sua personalidade. Esse assunto será mais bem examinado em outro tópico.

2) Parecer da Comissão Técnica de Classificação: essa Comissão é encarregada de elaborar um programa individualizador e de acompanhar a execução das penas privativas de liberdade. Compete-lhe também propor ao juízo das execuções penais as progressões e regressões dos regimes, bem como as conversões emitindo os respectivos pareceres (art. 6º da LEP). Deve essa Comissão aferir o mérito do condenado e a provável adaptabilidade em regime menos rigoroso. Esse parecer, como toda perícia, não vincula o magistrado, mas não deixa de ser um subsídio importantíssimo a ser analisado pelo juiz das execuções penais em seu ato decisório.

No entanto, pela nova redação atribuída ao art. 6º da LEP , a Comissão Técnica de Classificação — CTC perdeu a atribuição de elaborar o programa de individualização dos condenados às penas restritivas de direitos, como previa a redação anterior. Tampouco referida comissão poderá propor à autoridade competente as progressões, regressões ou conversões. Essa conclusão decorre da conjugação da nova redação do art. 6º da LEP com a supressão do parágrafo único do art. 112, que condicionava a progressão de regime ao parecer da CTC ou exame do COC, quando fosse o caso . Com efeito, a partir da vigência da nova lei (2-12-2003) não há mais necessidade, para a progressão de regime, do parecer da Comissão Técnica de Classificação ou do Exame Criminológico.

Dessa forma, os dois requisitos “formais” a que nos referimos foram dispensados para a progressão de regime, a despeito de alguns Estados da Federação estarem tentando implantá-los, apesar da questionável competência para legislar em matéria de execução penal.

* Doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha - Espanha. Advogado da Cezar Roberto Bitencourt Advogados Associados.

Fonte: https://www.facebook.com/cezarroberto.bitencourt/posts/897530876923982

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

UMA HOMENAGEM A JOSÉ FREDERICO MARQUES

Foto: José Frederico Maques


Da série homenagens a renomados juristas do passado, neste post trazemos a biografia do homenageado, processualista penal, Prof. e Desembargador José Frederico Marques, afinal recordar é viver.


"Profundo conhecedor do direito material e, principalmente, processual, Frederico Marques obteve grande destaque dentre os juristas brasileiros do século XX. Sua extensa obra permite que seu conhecimento influencie a doutrina brasileira até os dias de hoje.



Nascido na cidade litorânea de Santos, em 14 de fevereiro de 1912, Frederico Marques é filho de Frederico José Marques, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, e Nancy Novais Marques. Contudo, é na cidade de Batatais que ele passa toda a sua infância. Segundo relatos, suas lembranças dessa cidade do interior paulista são as melhores possíveis.



Em 1922, entretanto, muda-se para a capital de São Paulo, a fim de prosseguir seus estudos ginasiais no Colégio Arquidiocesano, concluindo-os em 1928. No ano de 1929, ingressa na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde seu pai e seu tio também tinham estudado. Durante a graduação, dedica-se também ao jornalismo, sendo diretor do jornal universitário “A Balança”. Sua colação de grau em Ciências Jurídicas e Sociais (nome do curso na época) é no dia 5 de janeiro de 1933. Em seguida, retorna a Batatais, fundando escritório de advocacia. Simultaneamente, exerce também as funções de Inspetor Federal do Ensino Secundário junto ao Ginásio São José da cidade e de diretor do jornal “A Folha de Batatais”. Casa-se na cidade de Ribeirão Preto, com Maria do Carmo Ribeiro Meirelles, em 16 de dezembro de 1936.



Seu grande destaque profissional é a carreira na magistratura. Em 1937, presta três concursos para ingresso à magistratura em São Paulo. Assim, em 1938, é nomeado juiz substituto de Penápolis. Já em abril do mesmo ano, é removido para São José do Rio Pardo e, em janeiro de 1939, Campinas. Em seguida, em maio de 1940, é promovido para a primeira entrância, como juiz adjunto de Ribeirão Preto. Já em dezembro de 1944, chega à segunda entrância, em Avaré, sendo, em março de 1945, transferido para a comarca de Jacareí. Em 1948, Frederico Marques é transferido para a capital do Estado. Assim, torna-se, em fevereiro, juiz auxiliar da Vara da Fazenda Estadual e, em dezembro, promovido para a terceira entrância, como juiz substituto da capital (7ª e 16ª Varas Cíveis).



Sua carreira acadêmica tem início em 1950, quando começa a lecionar na Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em maio de 1953, Frederico Marques torna-se professor catedrático de Direito Judiciário Civil da mesma faculdade. Completando sua titulação como grande processualista, presta concurso de livre-docência para Direito Judiciário Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), não se tornando, contudo, professor no Largo de São Francisco.



Avançando na magistratura, em junho de 1953, Frederico Marques é promovido como substituto no então Tribunal de Alçada. No mesmo ano, em setembro, é nomeado também como substituto no Tribunal de Justiça. Já em dezembro de 1954, torna-se juiz do Tribunal de Alçada, o mais jovem de seu tempo, com apenas 42 anos de idade. Do mesmo modo, torna-se depois o mais jovem desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, com 46 anos de idade.



Ainda como juiz de Tribunal de Alçada, entretanto, em 1956, é escolhido, ao lado de Vicente Rao, Mário Masagão, Cândido Motta Filho e Washington de Barros Monteiro, para formar uma lista apresentada pelo entãogovernador Jânio Quadros, para o preenchimento da vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, com a aposentadoria do ministro Mário Guimarães.



Em 1958, juntamente com Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Alfredo Buzaid e Galeno Lacerda funda o Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil. Frederico Marques aposenta-se em outubro de 1962 como desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Em 1972, recusa convite feito pelo então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, para ocupar a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal pela aposentadoria do ministro Moacyr Amaral Santos. Sua ligação com o ministro é forte: em seguida, faz parte da comissão revisora do anteprojeto elaborado por Buzaid para Código de Processo Civil (o nosso atual CPC de 1973).



Sua carreira é reconhecida por diversos prêmios: em 1979, recebe a medalha “Teixeira de Freitas”, pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Já em 1982, em homenagem aos seus setenta anos, é publicado o livro “Estudos de Direito em homenagem a José Frederico Marques”, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil da seção de São Paulo. Frederico Marques falece em São Paulo, no dia 28 de janeiro de 1993.



A grandeza da obra de Frederico Marques para o direito brasileiro é inegável. Sua atuação como magistrado no Estado de São Paulo, bem como sua carreira acadêmica são notáveis. Mas é o número de seus escritos que se destacam. Podem ser citados, dentre outros: “Da competência penal” (1953), “Curso de direito penal” (3 vols., 1956), “Ensaio sobre a jurisdição voluntária” (1959), “Tratado de direito penal” (4 vols., 1961), “Instituições de direito processual civil” (5 vols., 1958), “Estudos de direito processual penal” (1960), “Instituições de direito processual penal” (4 vols, 1961) e “Tratado de direito processual penal” (2 vols. 1980). Sua escrita era fácil e de grande qualidade, características típicas dos grandes juristas."


FONTE: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/frederico-marques-magistrado-e-academico/12368

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

UMA HOMENAGEM A NELSON HUNGRIA


Nelson Hungria Hoffbauer
           

Ao longo da história, o critério de escolha de Ministros do Supremo Tribunal Federal tem sofrido uma metamorfose com o político se sobrepondo ao jurídico. Embora se saiba que o Poder Judiciário é um poder político como os demais que compõem a República Federativa do Brasil, o notável saber jurídico que alimenta o critério técnico, no caso do Supremo Tribunal Federal, há de se sobrepor ao político naquele que tem uma especial missão de ser o guardião da Constituição.
Carente na atualidade de um ministro de notável saber jurídico-penal, reclama-se a necessidade de se nomear para o Supremo Tribunal Federal um renomado penalista para se fazer jus à própria história desse Órgão máximo do Poder Judiciário, alguém que possa contribuir para esse resgate histórico, que possa atuar na vanguarda da tutela dos direitos humanos fundamentais na seara penal e processual penal.
Nesse sentido, resolvemos HOMENAGEAR quem com altivez já foi Ministro do STF, representou e foi referência de todos os penalistas de uma geração que marcou a história do próprio Direito Penal pátrio, trazendo a sua biografia para amplo conhecimento.
NELSON HUNGRIA HOFFBAUER nasceu a 16 de maio de 1891, no Município de Além Paraíba, Estado de Minas Gerais. Era filho de Alberto Teixeira de Carvalho Hungria e de D. Anna Paula Domingues Hungria.

Fez o curso primário no Colégio Cassão, em Belo Horizonte, o secundário no mesmo estabelecimento, no Colégio Azevedo, em Sabará, e no Ginásio Nogueira da Gama, em Jacareí, Estado de São Paulo. Realizou o curso de Direito da Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro.

Iniciou a vida pública como Promotor Público em Pomba, Estado de Minas Gerais; foi Redator de Debates na Câmara dos Deputados de Minas Gerais e Delegado de Polícia no antigo Distrito Federal.

Ingressou na Magistratura como Juiz da 8º Pretoria Criminal do antigo Distrito Federal, nomeado por decreto de 12 de novembro de 1924. Serviu posteriormente como Juiz de Órfãos e da Vara dos Feitos da Fazenda Pública. Ascendendo ao cargo de Desembargador, em 1944, exerceu as funções de Corregedor.

Nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, por decreto de 29 de maio de 1951, pelo Presidente Getúlio Vargas, para a vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Annibal Freire da Fonseca, tomou posse em 4 de junho do mesmo ano.

Integrou, como membro substituto (25 de julho de 1955) e efetivo (23 de janeiro de 1957), o Tribunal Superior Eleitoral, tendo ocupado a presidência do órgão, no período de 9 de setembro de 1959 a 22 de janeiro de 1961.

Mediante concurso, obteve a livre docência da cadeira de Direito Penal da Faculdade Nacional de Direito. Participou da elaboração do Código Penal, do Código de Processo Penal, da Lei das Contravenções Penais e da Lei de Economia Popular.

Escreveu inúmeras obras sobre direito penal, destacando-se: Fraude Penal e Legítima Defesa Putativa — teses destinadas à conquista da cátedra universitária — Estudos sobre a Parte Especial do Código Penal de 1890; Crimes contra a Economia Popular; Questões Jurídico-Penais; Novas Questões Jurídico-Penais; Comentários ao Código Penal (8 volumes) e ainda Cultura, Religião e Direito; O Sermão da Montanha e A Obrigação Absoluta no Direito Cambiário.

Participou ativamente de congressos nacionais e internacionais, dentre os últimos, o 2º Congresso Latino-Americano (Santiago — Chile, 1947); 3º Congresso Latino-Americano de Criminologia (1949) e Jornadas Penales (Buenos Aires — Argentina, 1960).

Foi agraciado com a Medalha Rui Barbosa, Medalha do Rio Branco, Medalha do Sesquicentenário do Superior Tribunal Militar, Medalha Teixeira de Freitas, Comenda do Mérito do Ministério Público e o prêmio Teixeira de Freitas, outorgado em 1958, pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, pela obra Comentários ao Código Penal.

Aposentado por decreto de 11 de abril de 1961, despediu-se da Corte na sessão de 12 do mesmo mês, quando proferiu discurso, com a presença do Presidente da República, Dr. Jânio Quadros. Foi saudado, em nome do Tribunal, pelo Ministro Ary Franco, falando pela Procuradoria-Geral da República o Dr. Joaquim Canuto Mendes de Almeida; pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, o Dr. Leopoldo Cesar de Miranda Lima; pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo o Dr. Eloy Franco de Oliveira; pelo Instituto dos Advogados Brasileiros o Dr. Ruy Nunes Pereira e pelos advogados criminalistas do então Estado da Guanabara, o Dr. Evandro Lins e Silva. Após a aposentadoria dedicou-se às atividades advocatícias.

Faleceu em 26 de março de 1969, na cidade do Rio de Janeiro, sendo homenageado pelo Supremo Tribunal Federal em sessão da mesma data, falando pela Corte o Ministro Luiz Gallotti; pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Décio Miranda e, pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, o Dr. Antonio Carlos Osório.

Era casado com D. Isabel Maria Machado Hungria Hoffbauer.

O centenário de nascimento foi comemorado, em sessão de 16 de maio de 1991, quando falou pela Corte o Ministro Sepúlveda Pertence, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Affonso Henriques Prates Correia, Procurador-Geral da República em exercício, e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Prof. René Ariel Dotti.
FONTE: http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stf&id=133

sábado, 8 de novembro de 2014


UMA SÍNTESE PANORÂMICA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL


* Cezar Roberto Bitencourt

Uma síntese panorâmica do Tribunal Penal Internacional


1. A necessidade de um Tribunal Penal internacional

Vêm de longa data os esforços dos povos para a criação de uma Justiça supranacional, cuja competência não ficasse restrita aos limites territoriais das respectivas soberanias, para julgar crimes que atentem contra a humanidade e a ordem internacional. Na narrativa histórica de Jescheck , os primeiros passos em direção à formalização da persecução penal internacional estão intimamente relacionados com os acontecimentos que desestabilizaram a paz mundial ao longo do século XX. O primeiro exemplo de tentativa de criação de uma instância judicial internacional em matéria penal remonta ao final da 1ª Guerra Mundial, levando à posterior proposição de um Tribunal Internacional para a repressão do terrorismo, que nunca chegou a ser ratificado, fracassando com o advento da 2ª Guerra Mundial. Outra tentativa ocorreu com o final da 2ª Guerra Mundial, quando as quatro principais potências vencedoras — França, Inglaterra, Estados Unidos e União Soviética — decidiram punir os principais responsáveis pelos crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade, instituindo um Tribunal Militar Internacional que seria competente para o processo e o julgamento desses crimes. Essa decisão foi formalizada na Carta de Londres, também conhecida como Estatuto de Londres do Tribunal Militar Internacional, publicada em 8 de agosto de 1944.

Apesar de as regras contidas na Carta de Londres em matéria penal e processual penal terem sido inicialmente estabelecidas para os processos contra os líderes da Alemanha nazista, os conhecidos processos de Nuremberg, essas mesmas regras foram também aplicadas na persecução penal de crimes praticados no Japão. As decisões tomadas nos juízos de Nuremberg foram reconhecidas por meio do voto unânime da Assembleia Geral da ONU em 11-12-1946. A partir daí, a Carta de Londres serviu de base aos posteriores Tribunais Militares Internacionais instituídos pela ONU, como ocorreu com a extinta Iugoslávia (Resolução da ONU n. 827/1993), para julgamento dos crimes de genocídio, de lesa­ majestade e crimes de guerra; e em Ruanda (Resolução da ONU n. 955/1994), para o julgamento de delitos similares .

O grande problema, nessa época, como ressalta Jescheck , era que os delitos perseguidos eram processados e julgados com total parcialidade, ou seja, pelos próprios vencedores, pelos tribunais ad hoc, soluções que desatenderam às garantias mínimas e necessárias para todo e qualquer procedimento penal. Com efeito, como garantir a presunção de inocência do acusado, quando os membros do tribunal são designados diretamente pelos países vencedores do conflito bélico que é objeto de julgamento? Como garantir a devida segurança jurídica quando tanto o tribunal como o procedimento que este há de seguir são instituídos para julgar somente os vencidos e nunca os vencedores? Sempre houve, portanto, grande e procedente oposição à criação de Tribunais Especiais para julgar situações específicas, como ocorreu nos casos que acabamos de mencionar, pois foram criadas, a posteriori, as regras para julgamento de fatos passados, violando flagrantemente o princípio de legalidade.

Com o fortalecimento dos organismos internacionais, particularmente da Organização das Nações Unidas (ONU), os ideais de justiça universal ganharam contornos mais definidos, ante o reconhecimento da gravidade de determinados delitos internacionais e a necessidade premente de encontrar-se instrumento legal capaz de combatê-los com a eficácia desejada, evitando-se, ao mesmo tempo, os condenados Juízos ou Tribunais de Exceção. O passo indispensável na evolução do processo de internacionalização do Direito Penal destinou-se, portanto, à criação de um Tribunal Penal Internacional, permanente e imparcial, capaz de levar a cabo, sem vínculos político-ideológicos comprometedores, a tarefa de distribuição de uma justiça material internacional. 

Com efeito, não se ignora a cada vez mais frequente grande ocorrência de um sem-número de atrocidades contra a humanidade, em diversas partes do mundo, principalmente, como destaca Paulo César Busato, “sob o emprego de aparatos estatais, que permanecem sem resposta por falta de interesse interno do próprio Estado em responsabilizar penalmente as ações de seus mandatários” . A repetição de situações como essas aumentaram a necessidade e conveniência da criação de um Tribunal Penal Internacional permanente, especialmente com as grandes transformações produzidas pela globalização e os reflexos que tais mudanças produzem no âmbito do Direito Penal. Atendendo a esses auspícios, a Conferência Diplomática, convocada pela ONU (Roma), aprovou, em 17 de julho de 1998, com o voto favorável de 120 representantes de Estados, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, que ficou conhecido como o Estatuto de Roma . Essa iniciativa “representou — como reconhece Régis Prado — o ápice de um longo e árduo processo em busca da consolidação de uma justiça criminal supranacional, com competência para processar e julgar os autores (pessoas físicas) de delitos graves e caráter internacional, isto é, que extrapolam as fronteiras dos Estados e versam sobre bens jurídicos universais, próprios da humanidade e de toda a comunidade internacional (v. g., crimes de genocídio, lesa-majestade, de guerra e agressão — art. 5º do Estatuto)”.

Por fim, resta registrar os termos da integração do Estatuto de Roma ao nosso ordenamento jurídico. O Estatuto de Roma foi assinado pelo Brasil em 7 de fevereiro de 2000, ratificado por meio do Decreto Legislativo n. 112, de 6 de junho de 2002, e, finalmente, promulgado no Brasil por meio do Decreto do Executivo n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. A integração do Estatuto de Roma ao nosso ordenamento jurídico encontra amparo no § 4º do art. 5º da Constituição Federal, que reconhece o caráter supranacional do Tribunal Penal Internacional. De acordo com o § 4º, o Brasil “se submete à Jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. 

É necessário, contudo, matizar que o exercício da jurisdição da Corte Supranacional está submetido ao princípio da complementariedade, nos termos do art. 1º do Estatuto de Roma. Isso significa que os organismos de justiça penal internacional e os respectivos mecanismos de cooperação penal internacional, mencionados no Estatuto de Roma para a persecução penal, somente deverão atuar quando um Estado nacional não promover a investigação e a persecução dos crimes de competência do Tribunal Penal Internacional, praticados em seu território ou por seus nacionais. Como reconhece expressamente o STF a respeito, a jurisdição do Tribunal Internacional é adicional e complementar à do Estado, ficando, pois, condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno. O Estado brasileiro tem, assim, o dever de exercer em primeiro lugar sua jurisdição penal contra os responsáveis por crimes de genocídio, contra a humanidade, crimes de guerra e os crimes de agressão, assumindo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária, no caso de omissão ou incapacidade daquela . 

Além disso, existe uma série de aspectos que devem ser levados em consideração para uma adequada compatibilização das normas contidas no Estatuto de Roma, tanto com os direitos e garantias expressos na nossa Constituição como com os reconhecidos em tratados e convenções internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, com força de emenda constitucional (§ 3º do art. 5º da CF 1988, acrescentado pela EC n. 45/2004).

Segundo Valério Mazzuoli , a “cláusula aberta no § 2º do art. 5º da Carta de 1988 sempre admitiu o ingresso dos Tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais. Portanto, segundo sempre defendemos, o fato de esses direitos se encontrarem em tratados internacionais jamais impediu a sua caracterização como direitos de status constitucional”. Essa disposição constitucional recebeu um complemento um tanto contraditório com a Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, que acrescentou o § 3º ao art. 5º da Constituição, com a seguinte redação: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Atendido esse requisito procedimental, a norma internacional passa a integrar o nosso Direito interno e, como tal, também será abrangida pela análise acerca da compatibilidade das normas do Estatuto de Roma com os direitos e garantias constitucionais, especialmente as cláusulas pétreas.

Essa temática é objeto de acalorado debate do qual fazem parte a doutrina internacional, a doutrina nacional e o próprio STF. Como manifestou o Ministro Celso de Mello “cabe assinalar que se registram algumas dúvidas em torno da suficiência, ou não, da cláusula inscrita no § 4º do art. 5º da Constituição, para efeito de se considerarem integralmente recebidas, por nosso sistema constitucional, todas as disposições constantes do Estatuto de Roma, especialmente se se examinarem tais dispositivos convencionais em face das cláusulas que impõem limitações materiais ao poder reformador do Congresso Nacional (CF, art. 60, § 4º)” (Pet. 4.625). 

Certamente não temos o propósito de realizar um exame detalhado dos problemas que suscita a recepção das normas do Estatuto de Roma, somente indicaremos na seguinte epígrafe aqueles aspectos que consideramos de maior interesse, na medida em que representam uma clara afronta a determinadas garantias reconhecidas pela nossa Constituição, especialmente aquelas definidas como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º).


2. Tribunal Penal Internacional, prisão perpétua e o princípio de humanidade

Não se questiona a necessidade de o Direito Penal manter-se ligado às mudanças sociais, respondendo adequadamente às interrogações de hoje, sem retroceder ao dogmatismo hermético de ontem. Quando a sua intervenção se justificar, deve responder eficazmente. A questão decisiva, porém, será: de quanto de sua tradição e de suas garantias o Direito Penal deverá abrir mão a fim de manter essa atualidade? Na verdade, o Direito Penal não pode — a nenhum título e sob nenhum pretexto — abrir mão das conquistas históricas consubstanciadas nas garantias fundamentais referidas ao longo deste trabalho. Efetivamente, um Estado que se quer Democrático de Direito é incompatível com um Direito Penal funcional, que ignore as liberdades e garantais fundamentais do cidadão, asseguradas pela Constituição Federal. Aliás, a própria Constituição adota a responsabilidade penal subjetiva e consagra a presunção de inocência, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, preservando, inclusive, a dignidade humana (art. 5º, III, da CF). Ademais, a Carta Magna brasileira proíbe expressamente as sanções perpétuas, capitais, cruéis e degradantes (art. 5º, XLVII) e elevou essas garantias à condição de cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV). Em outros termos, referidas garantias não podem ser suprimidas ou revistas, nem mesmo através de emendas constitucionais.

Enfim, a pena de morte e a prisão perpétua são expressamente proibidas pela nossa Lei Maior, ressalvando, somente, a pena de morte, para a hipótese de guerra declarada (arts. 5º, XLVII, a, e 84, XIX). Simplificando, a pena de prisão perpétua — que não recebe a mesma ressalva conferida à pena de morte — não pode ser instituída no Brasil, quer através de Tratados Internacionais, quer através de Emendas Constitucionais.

Por outro lado, não se pode ignorar que o Tribunal Penal Internacional (TPI), considerando-se o contexto internacional, representa uma grande conquista da civilização contemporânea, na medida em que disciplina os conflitos internacionais, limita as sanções penais e define as respectivas competências. Se já existisse referido Tribunal Penal, certamente, o episódio Pinochet não teria o espectro que adquiriu. A previsão excepcional da pena de prisão perpétua, pelo referido estatuto internacional, não o desqualifica nem o caracteriza como desumano ou antiético, por duas razões fundamentais: a) de um lado, porque teve, acima de tudo, o objetivo de evitar que, para os mesmos crimes, se cominasse a pena de morte; b) de outro lado, porque a prisão perpétua ficou circunscrita aos denominados crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e de agressão.

No entanto, considerando sua função humanizadora e pacificadora das relações internacionais, especialmente para aqueles países que adotam a pena de morte (que não é o caso do Brasil), o TPI é uma instituição que precisa e deve ser prestigiada, reconhecida e acatada por todos os países democráticos, inclusive pelo Brasil. No entanto, por ora, não passa de um sonho a acalentar, uma visão romântica da Justiça Universal, posto que, nos termos em que se encontra — adotando a pena de prisão perpétua —, exigiria a reforma de dezenas de constituições de países democráticos, caracterizando retrocessos que negariam todas as conquistas iluministas. Assim, será mais fácil revisar o Estatuto de Roma do que pretender a revisão de tantas constituições espalhadas pelo mundo, permitindo, por exemplo, a adesão ao Tribunal Internacional, com ressalvas.

O princípio de humanidade do Direito Penal é o maior entrave para a adoção da pena capital e da prisão perpétua, dificultando sobremodo a legitimação constitucional da ratificação do Brasil ao Tribunal Penal Internacional que, entre suas sanções, prescreve a pena de prisão perpétua, proscrita pela Constituição Federal (art. 5º, XLVII, b). Esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados. A proscrição de penas cruéis e infamantes, a proibição de tortura e maus-tratos nos interrogatórios policiais e a obrigação imposta ao Estado de dotar sua infraestrutura carcerária de meios e recursos que impeçam a degradação e a dessocialização dos condenados são corolários do princípio de humanidade, que não se compatibiliza com penas perpétuas. Segundo Zaffaroni , esse princípio determina “a inconstitucionalidade de qualquer pena ou consequência do delito que crie uma deficiência física (morte, amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica etc.), como também qualquer consequência jurídica inapagável do delito”. O princípio de humanidade — afirma Bustos Ramirez — recomenda que seja reinterpretado o que se pretende com “reeducação e reinserção social”, posto que se forem determinados coativamente implicarão atentado contra a pessoa como ser social. Um sistema penal — repetindo — somente estará justificado quando a soma das violências — crimes, vinganças e punições arbitrárias — que ele pode prevenir for superior à das violências constituídas pelas penas que cominar. É, enfim, indispensável que os direitos fundamentais do cidadão sejam considerados indisponíveis, afastados da livre disposição do Estado, que, além de respeitá-los, deve garanti-los.

Enfim, nenhuma pena privativa de liberdade pode ter uma finalidade que atente contra a incolumidade da pessoa como ser social, como ocorre, evidentemente, com a pena de prisão perpétua. Por outro lado, não estamos convencidos de que o Direito Penal, que se fundamenta na culpabilidade, seja instrumento eficiente para combater a criminalidade moderna e, particularmente, a criminalidade internacional. A insistência de governantes em utilizar o Direito Penal como panaceia de todos os males não resolverá a insegurança de que é tomada a população, e o máximo que se conseguirá será destruir o Direito Penal, se forem eliminados seus princípios fundamentais. Por isso, a sugestão de Hassemer, de criação de um Direito de Intervenção, para o combate da criminalidade moderna e, especialmente, da criminalidade contra a humanidade, merece, no mínimo, profunda reflexão.

Por derradeiro, considerando a importância que assume o Tribunal Penal Internacional, a despeito de nossas restrições, as quais se limitam à admissão da prisão perpétua, sugerimos alguns bons autores sobre esse tema, tais como Kai Ambos, Valério de Oliveira Mazzuoli, Carlos Eduardo Adriano Japiassu, Paulo César Busato, dentre outros .


*Doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha na Espanha. Advogado.


FONTE: https://www.facebook.com/cezarroberto.bitencourt/posts/873277002682703

domingo, 12 de outubro de 2014

DOIS MOMENTOS DA LUTA CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL. POST 2.



Dois momentos da luta contra a redução da maioridade penal. Post 2.

Em um segundo e decisivo momento de meu embate contra a política de criminalização de adolescentes no Rio de Janeiro, entre 1995 e 1997, promovida pelo PSDB, com apoio das Organizações Globo, atuei no sentido de não permitir que a histórica Penitenciária Muniz Sodré, onde ficara preso por um tempo Graciliano Ramos, antes da Ilha Grande, no Complexo Penitenciário de Bangu, fosse transformada em instituto de execução de medidas sócioeducativas de internação.

Era ao mesmo tempo uma luta simbólica e pragmática. 

Simbólica porque admitir o funcionamento de uma instituição para adolescentes em um complexo prisional equivaleria e emitir uma mensagem à sociedade em termos opostos à filosofia da Constituição de 1988 e do ECA: estes adolescentes - não por coincidência de origem sócio-econômica ligada às periferias - deveriam ser tratados como criminosos e deveriam ser rigorosamente punidos; Pragmática porque sabia que se cedesse, o vitorioso Estado neoliberal da época (FHC-Marcello Alencar-PSDB) se sentiria "liberado" para não promover as transformações estruturais que poderiam mudar as vidas de milhares de famílias.

Em agosto de 1997 deixei a Vara da Infância e Juventude e assumi a titularidade da 37ª Vara Criminal, na qual permaneci até ser promovido a Desembargador, em 2006.

No mês seguinte - setembro de 1997 - o Governo do PSDB de forma emblemática transformou a Penitenciária Muniz Sodré no "Educandário Santo Expedito", por ironia o Santo das Causas Urgentes.
Não creio que os que orgulhosamente defendem a proposta de Aécio Neves - da qual ela não abre mão, apesar do aparente empenho de Marina Silva - se sensibilizarão com a realidade da criminalização da juventude pobre.

É fato que a sociedade brasileira está dando uma guinada à Direita.

Escrevo este Post para os lutadores dos direitos humanos, que reconhecem que muita coisa ficou pelo caminho, muito sofrimento evitável ainda se produziu nos últimos doze anos. A estes eu pondero com o exemplo da vida de Graciliano Ramos: não temos o direito de permitir que milhares de adolescentes pobres escrevam suas "Memórias no Cárcere".

Há lutas a serem travadas pós-eleição, mas por neutralidade ou ressentimento, por mais compreensível que seja, não podemos sacrificar a vida dos jovens brasileiros, os "descartáveis" na equação neoliberal.

É a estes militantes que me dirijo para ponderar sobre se o que está em jogo, em 26 de outubro, particularmente neste aspecto, deve ou não justificar a nossa luta conjunta.

Dois momentos da luta contra a redução da maioridade penal. Post 2.

Em um segundo e decisivo momento de meu embate contra a política de criminalização de adolescentes no Rio de Janeiro, entre 1995 e 1997, promovida pelo PSDB, com apoio das Organizações Globo, atuei no sentido de não permitir que a histórica Penitenciária Muniz Sodré, onde ficara preso por um tempo Graciliano Ramos, antes da Ilha Grande, no Complexo Penitenciário de Bangu, fosse transformada em instituto de execução de medidas sócioeducativas de internação.
Era ao mesmo tempo uma luta simbólica e pragmática. 
Simbólica porque admitir o funcionamento de uma instituição para adolescentes em um complexo prisional equivaleria e emitir uma mensagem à sociedade em termos opostos à filosofia da Constituição de 1988 e do ECA: estes adolescentes - não por coincidência de origem sócio-econômica ligada às periferias - deveriam ser tratados como criminosos e deveriam ser rigorosamente punidos; 
Pragmática porque sabia que se cedesse, o vitorioso Estado neoliberal da época (FHC-Marcello Alencar-PSDB) se sentiria "liberado" para não promover as transformações estruturais que poderiam mudar as vidas de milhares de famílias.
Em agosto de 1997 deixei a Vara da Infância e Juventude e assumi a titularidade da 37ª Vara Criminal, na qual permaneci até ser promovido a Desembargador, em 2006.
No mês seguinte - setembro de 1997 - o Governo do PSDB de forma emblemática transformou a Penitenciária Muniz Sodré no "Educandário Santo Expedito", por ironia o Santo das Causas Urgentes.
Não creio que os que orgulhosamente defendem a proposta de Aécio Neves - da qual ela não abre mão, apesar do aparente empenho de Marina Silva - se sensibilizarão com a realidade da criminalização da juventude pobre.
É fato que a sociedade brasileira está dando uma guinada à Direita.
Escrevo este Post para os lutadores dos direitos humanos, que reconhecem que muita coisa ficou pelo caminho, muito sofrimento evitável ainda se produziu nos últimos doze anos. A estes eu pondero com o exemplo da vida de Graciliano Ramos: não temos o direito de permitir que milhares de adolescentes pobres escrevam suas "Memórias no Cárcere".
Há lutas a serem travadas pós-eleição, mas por neutralidade ou ressentimento, por mais compreensível que seja, não podemos sacrificar a vida dos jovens brasileiros, os "descartáveis" na equação neoliberal.
É a estes militantes que me dirijo para ponderar sobre se o que está em jogo, em 26 de outubro, particularmente neste aspecto, deve ou não justificar a nossa luta conjunta.
Geraldo Prado

http://www.sinddegase.org.br/html/noticias/2009/04/19dia_santo_expedito.htm

NOTA DO EDITOR: Este blog é apartidário e respeitamos as opções políticas de todos os cidadãos por vivermos num estado democrático de direito. Registramos que para nós, assim como para muitos, a questão da redução da maioridade penal não pode sequer ser proposta de emenda constitucional por força do art. 60, § 4º, IV c/c art. 228, ambos da Constituição Federal, razão pela qual essa campanha faz parte do processo eleitoral em que verdades e mentiras são ditas com o fim de se obter votos.

DOIS MOMENTOS DA LUTA CONTRA A REDUÇÃO DA MENORIDADE PENAL. POST 1



Dois momentos da luta contra a redução da maioridade penal. Post 1.

Entre 1995 e 1997 fui juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro e travei intensa luta contra as Organizações Globo e o Governo Marcello Alencar (PSDB), que estavam unidos no propósito de criminalizar a juventude pobre da periferia.

A luta foi travada em vários campos. Editoriais de O Globo responsabilizaram-me indiretamente pelo fato de adolescentes estarem envolvidos com o tráfico de drogas. O argumento central do raciocínio era elementar: como eu aplicava o ECA, que proíbe internação em primeiro processo por tráfico de drogas, isso difundia um sentimento de "impunidade"...

O Governo do Estado, do PSDB, não tinha como alterar o ECA, Lei Federal. Buscou, então, contornar a proibição, como será visto no próximo Post.

Da minha trincheira, uma das medidas adotadas foi incentivar a Universidade a "entrar" na Vara da Infância e Juventude e pesquisar os vários fenômenos cruzados que contribuíam para "convencer" as pessoas de que O Globo e o PSDB estavam certos, apesar das ricas e infindáveis evidências do contrário, isso é, de que reduzir o patamar da maioridade penal incrementaria a violência contra um setor vulnerável da sociedade brasileira e isentaria o Estado de investir na redução das desigualdades sociais.

A retomada do debate, no atual cenário eleitoral, justifica a reprodução de trecho de pesquisa de investigadores da FIOCRUZ (Kathie Njaine e outros), respeitada instituição brasileira, que naquele longínquo 1997 contestava o senso comum. Segue um trecho, com link para a íntegra do trabalho:


"Essa situação vem reforçar a hipótese inicial de que não é importante identificar nem o agressor nem a vítima, na medida em que suas vidas valem pouco (ou nada), que esses papéis podem ser intercambiáveis, e que esse evento fatal não redundará em nenhuma justiça ou em nenhuma indignação da sociedade. Quase sempre, por falta de provas, arquivam-se investigações que nem chegam a processos judiciais. Em uma entrevista do titular da Segunda Vara da Infância e Juventude, o Juiz Geraldo Prado afirmou que mil menores morreram de forma violenta no Rio, entre janeiro e outubro de 1995. Destes, 60% foram assassinados, enquanto 40% foram vítimas do trânsito e dos chamados 'autos de resistência', ou seja, foram mortos sob a alegação de que enfrentaram a polícia a tiros. O juiz comenta que apenas 3% desses jovens tinham sido processados judicialmente (Jornal do Brasil, 1996a). Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz, com base nos boletins de ocorrência policial do Rio de Janeiro, apurou-se que, dos 106 casos de violência contra crianças de zero a cinco anos de idade ocorridos em 1990, em apenas 24 foram instaurados inquéritos. Destes, somente um caso foi concluído, indo a julgamento e o agressor sendo absolvido...

A (des)informação também é fruto do acobertamento de mortes provocadas pelo confronto com policiais. É, no mínimo, contraditório notar que, numa análise da série histórica de 15 anos (1980 a 1994) sobre a mortalidade de crianças e adolescentes do Rio de Janeiro, nenhum óbito decorrente dessa circunstância foi registrado (Souza et al., 1996), quando a mídia diariamente noticia vítimas fatais em tiroteios com a polícia. Em reportagem do Jornal do Brasil, de 7 de abril (1996b), destacam-se o crescimento de mortes de civis por policiais militares, a não-identificação de cerca de metade das vítimas e de suas características pessoais e as falsas noções de que essas pessoas estão sendo mortas por serem supostos criminosos, resistirem à prisão e encontrarem-se fortemente armadas...


A divulgação de informações sobre violência através da mídia

A informação assume a forma e a importância que lhe é dada pela sociedade. No caso da violência, percebe-se que o grupo social mais vitimizado é aquele socialmente excluído da festa do consumo, desprovido dos símbolos que caracterizam o 'cidadão de bem', revestido pelos signos da pobreza, como ser jovem, negro e morar em morro ou periferia da cidade, sendo identificado como bandido. O fato de ser adolescente ou adulto jovem, dos 15 aos 24 anos, do sexo masculino, também representa risco para esse grupo social, conforme destacam Minayo & Souza (1993). Para estes, a sociedade não se importa em esclarecer a morte, porque no imaginário social essas mortes representam uma espécie de 'limpeza' e de solução para o problema da violência e das questões sociais e econômicas do País. Suas vidas são sentenciadas sumariamente (Cruz Neto & Minayo, 1994). Assim, a 'culpa' socialmente construída e atribuída a esta parcela da sociedade, que passa a preencher a função de bode expiatório, impede que esta mesma sociedade tome conhecimento e responsabilize outros membros, de estratos sociais mais privilegiados, envolvidos em seus processos de criminalidade.

Cabe à mídia uma destacada contribuição na desqualificação das informações sobre violência, pois essa ocupa na sociedade contemporânea um papel importante como mediadora social, como agente de socialização, ao lado da família, da escola e de outras instituições (Rey, 1993). Desse modo, a televisão e demais meios de comunicação são instrumentos, dispositivos culturais e sociais. Quando nesses meios circulam informações sobre o tema violência, é de forma banalizada, gerando muitas vezes um clima de pânico e medo na sociedade. Assim, socializa-se um modo de ver e de interpretar o fenômeno, que distorce a realidade, hipertrofia os fatos através da espetacularização da notícia e da estética das imagens, desvia o foco da atenção para o perigo imaginário que se restringe e localiza em certos tipos de sujeitos e nas camadas e espaços sociais menos favorecidos. Ao gerar informações sobre violência, a mídia reproduz, de certo modo, o processo de transmissão dessas informações efetuado pelos órgãos oficiais do governo, onde o sentido dos diversos tipos de violência que ocorrem na sociedade e, principalmente da violência estrutural, é desfeito ou desrealizado, conforme trata Sodré (1992).

Na verdade, como revela Rondelli (1994/95), a mídia está muito mais voltada a entreter que a informar, tem seus próprios critérios de relevância, e, assim, o tema da violência pode ser politizado ou despolitizado em função do reforçamento e da ampliação dos estereótipos sociais.

Este texto, no entanto, não pretende tratar da relação de causa e efeito que associa a mídia à reprodução ou aumento da violência social, mas analisar a questão da qualidade da informação sobre violência nos espaços privilegiados que ela ocupa dentro de um quadro informacional mais amplo. E é exatamente por se situar nestes lugares na sociedade que a informação deve ser pensada como um elemento de mudança e de transformação social."


Fonte: https://www.facebook.com/geraldoprado?fref=nf