sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ARGENTINO E O MINISTÉRIO PÚBLICO


Novo CPP argentino gera críticas sobre poder dado ao Ministério Público




Sancionado pelo Congresso argentino em 5 de dezembro, o novo Código de Processo Penal do país divide parlamentares. Impulsionado pelo governo de Cristina Kirchner, o texto motiva divergências na área de criação de processos e designação de cargos no poder. As informações são do site Epoch Times Brasil.

Junto com o novo código foram criadas 17 novas promotorias e 1.713 novos cargos nas promotorias e defensorias do país. Este foi o ponto da alteração que recebeu mais críticas, por concentrar o poder nos promotores, muitos dos quais poderiam ser afetados pela mudança de poder político.

Representantes do partido radical apontam que o novo CPP argentino dá muito poder ao Ministério Público. Segundo o Epoch Times, o deputado Mario Negri afirma que a promulgação do novo CPP deve vir acompanhada de uma lei para o MP e para o julgamento por um júri.

Por sua vez, o candidato à presidência para as eleições de 2015, Sergio Massa, disse que é preciso colocar ênfase sobre as vítimas, “não sobre os criminosos”. Já o congressista Paul Tonelli, do partido PRO, aponta que faltam a implementação de regras adicionais para que o novo código funcione: a Lei de Implementação, o Código Penal, a Lei Orgânica do Ministério Público, o sistema de justiça infanto-juvenil e a execução de sentenças.

Mais rapidez

A justificativa oficial para o novo CPP argentino é acabar com um modelo considerado inquisitorial com resquícios dos tempos coloniais — o código anterior é de 1991. A proposta do Executivo é tornar esse novo código “uma ferramenta eficaz na luta contra o crime e dar resposta legal em um prazo razoável e oportuno quanto às exigências de uma justiça rápida e eficaz.”

O projeto de lei (que não terá aplicação imediata), entrou em outubro 2014 no Senado e foi aprovado pelos deputados com 130 votos a favor e 99 votos contra.

Ainda de acordo com o Epoch Times Brasil, a principal mudança está na forma da investigação criminal preparatória. No código de 1991, a acusação e julgamento recaíam nas mãos do juiz, em uma situação que coloca em xeque sua neutralidade. O processo também corre em segredo e de forma escrita, por isso não dá lugar à oralidade ou publicidade. A simples confissão do acusado pode ser prova suficiente para condená-lo.

O novo sistema prevê que defesa e acusação se enfrentem “em igualdade de condições” diante de um juiz imparcial que, com base nas provas e argumentos, decide pela condenação ou absolvição. Também pode haver a interferência de um promotor indicado pelo Ministério Público e pela vítima: pelo primeiro, para manter a ordem jurídica, e pelo segundo, para garantir a reparação.

O novo CPP argentino também prevê a redução de três anos para um ano no tempo da investigação criminal preparatória feita pelos promotores. A etapa anterior termina com o julgamento do acusado, enquanto todo o processo (incluindo o julgamento) não pode levar mais de três anos. Outras modificações incluem a possível expulsão do país dos estrangeiros presos em flagrante delito, o julgamento por júri e a suspensão do julgamento mediante prova


FONTE: http://www.conjur.com.br/2014-dez-21/cpp-argentino-gera-criticas-poder-ministerio-publico

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A PROGRESSÃO DA PENA DE PRISÃO E O CUMPRIMENTO DA PENA DE MULTA NA VISÃO DO STF


* Cesar Roberto Bitencourt


1. Progressão de regime

Entre os requisitos ou condições para a progressão do regime de cumprimento de pena não consta a obrigação de haver cumprido a pena de multa! Somente para a progressão ao regime aberto, e, ainda assim, admite que o condenado, quando for o caso, comprove que não pode pagar a pena de multa, pelo seu valor elevado.

Os regimes de cumprimento da pena direcionam-se para maior ou menor intensidade de restrição da liberdade do condenado, sempre produto de uma decisão penal condenatória transitada em julgado. A sanção aplicada possibilita ao apenado progredir ou regredir nos regimes, ampliando ou diminuindo o seu status libertatis. O ponto propulsor de conquista ou de perda de maiores regalias no cumprimento da pena privativa de liberdade consiste no mérito ou demérito do condenado (arts. 33, § 2º, do CP e 112 da LEP). 

A Reforma Penal de 1984 adotou, como se constata, um sistema progressivo de cumprimento da pena, que possibilita ao próprio condenado, através de seu procedimento, da sua conduta carcerária, direcionar o ritmo de cumprimento de sua sentença, com mais ou menos rigor. Possibilita ao condenado ir conquistando paulatinamente a sua liberdade, ainda durante o cumprimento da pena, de tal maneira que a pena a ser cumprida não será sempre e necessariamente a pena aplicada. 

A partir do regime fechado, fase mais severa do cumprimento da pena, possibilita o Código a conquista progressiva de parcelas da liberdade suprimida.

Na progressão evolui-se de um regime mais rigoroso para outro menos rigoroso. Na regressão dá-se o inverso. Contudo, na progressão, além do mérito do condenado (bom comportamento) , é indispensável que ele tenha cumprido, pelo menos, um sexto da pena no “regime anterior”, nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal. 

Isso quer dizer que o condenado não poderá passar direto do regime fechado para o regime aberto, sem passar obrigatoriamente pelo regime semiaberto. O inverso não é verdadeiro, ou seja, o condenado que não se adequar ao regime aberto poderá regredir, diretamente, para o regime fechado, sem passar necessariamente pelo regime semiaberto. Essa possibilidade ocorre porque o art. 118 da LEP, ao contrário do art. 112, permite a transferência para “qualquer” dos regimes mais rigorosos. 

Repetindo, é bom frisar que não basta o simples cumprimento de um sexto da pena para o condenado ter direito à progressão (esse é somente o requisito temporal). É indispensável que o apenado demonstre que merece a progressão e que está preparado para cumprir a sanção imposta em regime menos rigoroso, sem prejudicar os fins da pena. Como lembram Miguel Reale Júnior e René Ariel Dotti, “não se acolheu a orientação adotada em algumas legislações e advogada por uma parte da doutrina, consistente em não fixar o quantum mínimo de cumprimento da pena para a transferência de regime e o livramento condicional. O arbítrio, no caso, seria fonte de injustiças e revoltas com sacrifício dos objetivos da pena e da disciplina do ambiente penitenciário” .

Em se tratando de regime aberto, além do cumprimento de um sexto da pena e do mérito do condenado, deve-se observar se o beneficiário preenche os requisitos do art. 114 da LEP, ou seja, se o apenado está trabalhando ou se demonstra a possibilidade de vir a fazê-lo imediatamente e, se apresenta, pelos seus antecedentes e pelo resultado dos exames a que se submeteu, fundados indícios de que se ajustará com autodisciplina e senso de responsabilidade ao novo regime.

O sistema progressivo, adotado pela reforma penal de 1984, sofre profundas modificações, um verdadeiro retrocesso, em decorrência das alterações patrocinadas pela Lei n. 10.792/2003, que, dentre tantas outras, exclui expressamente o parecer da Comissão Técnica de Classificação e o exame criminológico, além de criar o denominado regime disciplinar diferenciado. Para progredir, teoricamente, o condenado deverá cumprir, pelo menos, um sexto da condenação, e “merecer” o “benefício” evolutivo. Esse merecimento, contudo, será valorado pelo “bom comportamento carcerário” certificado pelo diretor do estabelecimento penitenciário. Não definiu, contudo, o novo diploma legal o que seja esse bom comportamento, lacuna que, certamente, será fonte de profundas divergências.

Não admitimos em hipótese alguma que o condenado possa cumprir pena em regime mais grave que o determinado na decisão condenatória, ao contrário de afirmação em sentido diverso . Não se pode esquecer de que o tempo na prisão arrasta-se letargicamente num clima de angústia, insegurança e ansiedade, agravando inclusive a saúde mental do recluso. O condenado tem o direito público subjetivo de cumprir sua pena nos termos em que lhe foi concedido na decisão condenatória, sendo inadmissível que as deficiências por culpa do Estado recaia sempre sobre os ombros do condenado.

2. A progressão nos crimes hediondos

Faz-se necessária uma pequena análise sobre a proibição quanto à progressão de cumprimento de penas em relação aos chamados crimes hediondos (Lei n. 8.072/90), que, segundo a doutrina, violava o princípio da individualização da pena e o sistema progressivo adotados por nosso ordenamento jurídico. Na verdade, cumprindo disposição constitucional, o Código Penal e a Lei de Execução Penal individualizam a aplicação da pena e o seu cumprimento exercendo uma espécie de função delegada pela Constituição (art. 5º, XLVI). 

À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador deverá efetivar a individualização da pena, observando, evidentemente, o comando da Constituição Federal. Por essa razão o legislador ordinário pode dispor, nos limites das prerrogativas que lhe foram conferidas pela norma constitucional, que, nos crimes hediondos, o tempo de cumprimento da pena no regime fechado possa ser maior (um terço, por exemplo) que aquele previsto para as demais infrações penais, o que não significa impedir a progressão ou violar a individualização da pena. Em outros termos, o texto constitucional permite ao legislador ordinário regular, em cada fase (legal, judicial e executória), a individualização da pena; não o autoriza, contudo, suprimi-la em qualquer de suas etapas, sob pena de violar o núcleo essencial da individualização penal, reconhecida, finalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, como direito e garantia fundamentais (art. 5º, XLVI, da CF).

3. A progressão nos crimes hediondos a partir da Lei n. 9.455/97

A doutrina, em geral, sempre teve grandes dificuldades em aceitar a proibição da progressão nos chamados “crimes hediondos”, a despeito da então orientação da jurisprudência de nossos Tribunais Superiores. Nossa contrariedade à proibição da progressão era mais abrangente, pois além de violar o sistema progressivo de cumprimento de pena e desprezar o objetivo ressocializador atribuído à sanção penal, e, por extensão, a individualização da pena, ignorava a política criminal admitida e recomendada pelo Estado Democrático de Direito. No entanto, o advento da Lei n. 9.455/97, que tipifica e disciplina o crime de tortura, ofereceu, enfim, um fundamento jurídico inquestionável para se reinterpretar a proibição que constava do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, ao estabelecer que o condenado por crime de tortura “iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”, o qual consiste na adoção do sistema progressivo.

Há uma certa unanimidade nacional sobre o entendimento de que a Constituição fixou um regime comum para os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os definidos como crimes hediondos (art. 5º, XLIII, da CF), equiparando-os quanto a sua danosidade social. Com o novo tratamento que a Lei n. 9.455/97 estabeleceu para o cumprimento da pena decorrente de condenação pelo crime de tortura — inegavelmente mais benéfico —, reconhecendo o direito à progressão, estava autorizada a interpretação extensiva da nova dicção legal, para estendê-la às demais infrações definidas como crimes hediondos, inclusive retroativamente. Afora a regra geral de hermenêutica que permite, no Direito Criminal, a interpretação extensiva da lei mais benéfica, há o tratamento uniforme que a Constituição Federal estabeleceu a essa modalidade de infrações penais.

Não se podia ignorar, por outro lado, que a disciplina do cumprimento de pena constante dos dois diplomas legais era conflitante, ou, na linguagem que estamos utilizando, era desuniforme: de um lado, proibia a progressão de regime para os crimes hediondos, terrorismo (ainda não tipificado) e tráfico de entorpecentes (Lei n. 8.072/90); de outro lado, admitia o regime progressivo para o crime de tortura (Lei n. 9.455/97). Contudo, como o ordenamento jurídico é composto por um sistema harmônico e racional de normas, eventuais e aparentes contradições devem encontrar solução adequada no próprio sistema, através das regras de hermenêutica e dos princípios gerais de Direito. Nesse sentido, subscrevemos a conclusão lapidar de Alberto Silva Franco, segundo o qual: “Não há razão lógica que justifique a aplicação do regime progressivo aos condenados por tortura e que negue, ao mesmo tempo, igual sistema prisional aos condenados por crimes hediondos ou tráfico ilícito de entorpecentes. Nem sob o ponto de vista do princípio da lesividade, nem sob o ângulo político-criminal, há possibilidade de considerar-se a tortura um fato delituoso menos grave em confronto com os crimes já referidos” .

Passamos a sustentar que, a partir da edição da Lei n. 9.455/97, dever-se-ia reconhecer a aplicabilidade do sistema progressivo aos crimes hediondos e afins, sem restrições, inclusive retroativamente. Contudo, ignorando o conteúdo do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, o STF resolveu sumular o entendimento que dá tratamento diferenciado à tortura dos demais crimes elencados no referido inciso, como se tivessem naturezas distintas, a despeito de terem sido tratados uniformemente pelo texto constitucional. 

A Súmula 698 tem o seguinte enunciado: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”. 

No entanto, após algum tempo sob a égide desse entendimento sumulado, o STF, em sua constituição plenária, num verdadeiro despertar cívico, através do Habeas Corpus n. 82.959, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que previa o cumprimento da pena em regime integralmente fechado nos crimes hediondos e assemelhados, com voto histórico do Ministro Gilmar Mendes. De certa forma, essa nova orientação, louvável, diga-se de passagem, assumida pelo Pretório Excelso afrontou o conteúdo da Súmula 698, que, a rigor, por coerência, deve ser revogada.

Dois aspectos fundamentais merecem destaque nesse julgamento tão esperado pela comunidade jurídica especializada: (a) o reconhecimento do sistema progressivo e da individualização da pena como direitos e garantias fundamentais, e (b) a eficácia erga omnes de declaração de inconstitucionalidade em controle difuso ou aberto (art. 102, I, a, CF), limitada pelo efeito ex nunc, é bem verdade. O primeiro aspecto esclarece os limites reservados ao legislador infraconstitucional: ou seja, como o sistema progressivo de cumprimento da pena também é uma garantia constitucional, permite ao legislador ordinário o poder de disciplinar a individualização da pena nas fases legislativa, judicial e executória, mas não lhe autoriza, contudo, excluí-la em nenhuma dessas etapas, sob pena de violar esse preceito fundamental. Exatamente aí residia a inconstitucionalidade do dispositivo questionado que obrigava o cumprimento integral da pena em regime fechado, nos crimes hediondos e assemelhados. Seria inócuo, por conseguinte, incluir a individualização da pena entre os direitos e as garantias fundamentais e, ao mesmo tempo, permitir que o legislador ordinário, a seu alvedrio, pudesse suprimir ou anular seu conteúdo. 

O segundo aspecto, não menos importante, foi o efeito erga omnes que o STF atribuiu à sua decisão em julgamento de controle difuso de constitucionalidade; aplicou, por analogia, o disposto no art. 27 da Lei n. 9.868/99, que se refere a julgamento de hipóteses de controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade (ADIn ou ADC). 

Com essa decisão, destaca o editorial do Boletim do IBCCrim, “acolheu o entendimento de que, em se tratando de controle incidental ou difuso, é pertinente à Corte Suprema estender os efeitos da decisão a outras situações processuais suscetíveis de serem alcançadas pelo reconhecimento in concreto de inconstitucionalidade. E assim o fez, em nome da segurança jurídica e do excepcional interesse social, conceitos revestidos também de carga constitucional” .

Essa decisão — com eficácia erga omnes e efeito ex nunc — permitiu que, em outros processos, que ainda se encontrassem em fase recursal ou executória (cuja pena ainda não tenha sido integralmente cumprida), pudessem igualmente ser beneficiados pelo sistema progressivo, desde que seus requisitos fossem examinados, casuisticamente, pelo juiz competente. Referida decisão não ficou, por conseguinte, limitada ao processo objeto de exame no Habeas Corpus n. 82.959, e tampouco permitiu que outros juízes ou tribunais pudessem recusar seu cumprimento invocando como obstáculo o disposto no inciso X do art. 52 da Constituição Federal. 

Essa decisão, na realidade, tornou sem objeto a competência do Senado Federal, como destaca Ministro Luís Roberto Barroso: “A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. 

Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há mais lógica razoável em sua manutenção”. 

Em sentido semelhante, veja-se o magistério do constitucionalista Ministro Gilmar Mendes, in verbis: “A amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, contribuíram, certamente, para que se quebrantasse a crença na própria justificativa desse instituto, que se inspirava diretamente numa concepção de separação de Poderes — hoje necessária e inevitavelmente ultrapassada. Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão somente para as partes?”.

Por fim, cautelosamente, o Supremo Tribunal Federal atribuiu a essa tão esperada decisão o efeito ex nunc, impedindo que retroaja até alcançar aqueles que já cumpriram integralmente suas condenações, nos termos da orientação jurisprudencial anterior. Dessa forma, nossa Corte Suprema buscou impedir possíveis ações reparatórias por cumprimento indevido de penas integralmente em regime fechado.

Finalmente, a Lei n. 11.464, de 27 de março de 2007, seguindo a orientação consagrada pelo Supremo Tribunal Federal, minimiza os equivocados excessos da Lei n. 8.072/90, alterando os parágrafos do seu art. 2º, com as seguintes inovações: a) o cumprimento da pena iniciará em regime fechado; b) a progressão nos crimes hediondos ocorrerá após o cumprimento de dois quintos (2/5), sendo o apenado primário, e de três quintos (3/5), se reincidente; c) em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

No entanto, deve-se considerar que essa lei, embora tida como de natureza processual, na verdade projeta sérios e graves efeitos materiais na execução da pena, agravando sobremodo o regime de cumprimento. Por isso, a nosso juízo, não pode retroagir para abranger fatos praticados antes de sua vigência. No mesmo sentido, manifesta-se Luiz Flávio Gomes, in verbis: “crimes ocorridos a partir do dia 29-3-2007: a Lei 11.464/2007 foi publicada dia 29-3-2007; Entrou em vigor nessa mesma data. Cuidando-se de norma processual penal com reflexos penais, em sua parte prejudicial (novatio legis in peius) só vale para delitos ocorridos de 29-3-2007 em diante. Em outras palavras: o tempo diferenciado de cumprimento da pena para o efeito da progressão (2/5 ou 3/5) só tem incidência nos crimes praticados a partir do primeiro segundo do dia 29-3-2007” .

Finalmente, para uniformizar a interpretação da nova disciplina da progressão de regime nos crimes hediondos, o STF editou a súmula vinculante n. 26, dispondo: para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

3. Progressão de regime antes do trânsito em julgado de decisão condenatória (Súmula 716)

Desafortunadamente, desde o final da última década do milênio passado, tem aumentado assustadoramente as prisões cautelares, que nem sempre têm observado o limite legal de duração (81 dias). A longa demora dos trâmites proces­suais-recursais tem levado inúmeros recorrentes a cumprir grande parte de suas sanções em regimes mais graves que aquele aplicado na sentença ou mesmo naquele previsto em lei para o caso concreto. 

Por outro lado, invariavelmente, esses indivíduos (que são presos provisórios) têm sido constrangidos a desistir de seus recursos para receberem a progressão de regimes, sob o argumento falacioso de que durante a fase recursal é proibida a progressão de regimes. Sensível a essa violência, a que milhares de pessoas eram submetidas, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em boa hora, houve por bem editar a Súmula 716, com o seguinte enunciado: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Com essa oportuna súmula de nossa mais alta Corte de Justiça corrige-se flagrante injustiça que vinha se perpetuando em nossos pretórios injustificadamente. Ninguém desconhece as deficiências do sistema penitenciário brasileiro, que, aliás, de sistema, só tem o nome; assim, sonegar o direito a progredir de regime, quando estiverem satisfeitos seus requisitos formais e materiais, significa punir mais severamente ao arrepio de nosso ordenamento jurídico.

Essa justa preocupação de nosso Pretório excelso foi complementada com a edição da Súmula 717: “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”. Com efeito, uma coisa não inviabiliza a outra, porque a prisão especial aplica-se a todo e qualquer regime de cumprimento de pena. Ademais, essa progressão justifica-se para quando o sujeito não fizer mais jus à prisão especial, pois, assim, quando sair dessa espécie de prisão poderá ingressar no seu verdadeiro regime.

4. Requisitos da progressão de regimes

A Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84) estabelecia que a obtenção de transferência de um regime mais rigoroso para outro menos rigoroso (progressão) ficava condicionada à existência de alguns requisitos, que poderíamos classificar de materiais (cumprimento de um sexto da pena e mérito do condenado) e formais (exame criminológico, quando necessário, e parecer da Comissão Técnica de Classificação):

a) Um sexto da pena: é a exigência de cumprimento de uma parcela da pena no regime anterior, no Direito vigente, fixado em um sexto, no mínimo. Como salienta Celso Delmanto, o legislador não estabeleceu se esse percentual deve ser considerado sobre a pena aplicada ou sobre o restante da pena a cumprir. Na primeira operação não há problema. Evidentemente terá de ser sobre a pena aplicada, e não sobre o saldo restante. Na segunda operação é que poderia surgir a dúvida. Delmanto afirma que, “embora nos pareça que se desejou aludir ao total da pena e não à sua parte ainda não exaurida pela execução (pois a hipótese não é de extinção da punibilidade), na dúvida, a interpretação deverá ser a mais favorável (um sexto do restante)” . Se parece que o legislador desejou aludir ao total, então não há dúvida fundada que autorize a busca de uma interpretação mais favorável. Porém, cumpre reconhecer que a disposição legal não é suficientemente clara.

b) Mérito do condenado: é a demonstração que o condenado deverá dar durante a execução da pena de que está apto para ser transferido para um regime menos rigoroso, que agora passou a ser comprovado com o denominado “atestado de conduta carcerária”, para o recluso que ostente “bom comportamento carcerário”. É a capacidade, a aptidão, é a comprovação da existência de condições que façam presumir que ele, condenado, está preparado para ir conquistando progressivamente a sua liberdade, adaptando-se a um regime mais liberal, sem prejuízo para os fins da execução da pena.

Essa simplificação procedimental da progressão permite, inclusive, a sua obtenção através de habeas corpus, na medida em que não demanda mais dilação probatória, como demonstrou, com propriedade, Andrei Schmidt , e o próprio STF já concedeu (HC 85.688).

c) Reparação do dano, quando se tratar de crime contra a administração pública: a Lei n. 10.763/2003 acrescentou o § 4º ao art. 33, que passou a exigir a reparação do dano ou a devolução do produto do ilícito, para que o condenado por crime contra a administração pública obtenha a progressão do regime. 

Na verdade, esse texto legal deve ser interpretado com ressalvas, isto é, com a visão de que as normas penais, especialmente as restritivas, não podem ignorar o sistema jurídico em que se inserem, no caso, o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF), que, segundo a Constituição Federal, deve obedecer ao sistema progressivo e, acima de tudo, visa à recuperação do condenado. Por isso, essa previsão legal, da forma como consta do texto, pode simplesmente inviabilizar a progressão de regimes, violando a Constituição brasileira.

Com efeito, a previsão acrescida pela Lei n. 10.763/2003 deve ser interpretada nos termos do art. 83, IV, do Código Penal, que, para obtenção do livramento condicional, estabelece a obrigação de reparar o dano, “salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo”. O condenado que não puder reparar o dano deverá fazer essa demonstração de sua impossibilidade e a progressão não poderá ser impedida.

Em síntese, a progressão deve ser uma conquista do condenado pelo seu merecimento (bom comportamento carcerário) e pressupõe o cumprimento mínimo de um sexto da pena no regime anterior (art. 112 da LEP).

O exame criminológico e o parecer da Comissão Técnica de Classificação foram suprimidos pela lei antes mencionada, deixando, portanto, de ser exigidos para progressão de regimes, livramento condicional e indulto. No entanto, como são institutos importantes, e continuam mantidos nos arts. 7º e 8º da LEP, para a individualização do início da execução da pena merecem ser considerados.

1) Exame criminológico: é a pesquisa dos antecedentes pessoais, familiares, sociais, psíquicos, psicológicos do condenado, para a obtenção de dados que possam revelar a sua personalidade. Esse assunto será mais bem examinado em outro tópico.

2) Parecer da Comissão Técnica de Classificação: essa Comissão é encarregada de elaborar um programa individualizador e de acompanhar a execução das penas privativas de liberdade. Compete-lhe também propor ao juízo das execuções penais as progressões e regressões dos regimes, bem como as conversões emitindo os respectivos pareceres (art. 6º da LEP). Deve essa Comissão aferir o mérito do condenado e a provável adaptabilidade em regime menos rigoroso. Esse parecer, como toda perícia, não vincula o magistrado, mas não deixa de ser um subsídio importantíssimo a ser analisado pelo juiz das execuções penais em seu ato decisório.

No entanto, pela nova redação atribuída ao art. 6º da LEP , a Comissão Técnica de Classificação — CTC perdeu a atribuição de elaborar o programa de individualização dos condenados às penas restritivas de direitos, como previa a redação anterior. Tampouco referida comissão poderá propor à autoridade competente as progressões, regressões ou conversões. Essa conclusão decorre da conjugação da nova redação do art. 6º da LEP com a supressão do parágrafo único do art. 112, que condicionava a progressão de regime ao parecer da CTC ou exame do COC, quando fosse o caso . Com efeito, a partir da vigência da nova lei (2-12-2003) não há mais necessidade, para a progressão de regime, do parecer da Comissão Técnica de Classificação ou do Exame Criminológico.

Dessa forma, os dois requisitos “formais” a que nos referimos foram dispensados para a progressão de regime, a despeito de alguns Estados da Federação estarem tentando implantá-los, apesar da questionável competência para legislar em matéria de execução penal.

* Doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha - Espanha. Advogado da Cezar Roberto Bitencourt Advogados Associados.

Fonte: https://www.facebook.com/cezarroberto.bitencourt/posts/897530876923982