terça-feira, 8 de abril de 2014

O ESTUPRO É A VIOLÊNCIA MAIS INDIGNA QUE O SER HUMANO PODE SOFRER



O ESTUPRO É A VIOLÊNCIA MAIS INDIGNA QUE O SER HUMANO PODE SOFRER.


1. Considerações preliminares

É absurdo o resultado de pesquisa noticiado pelo fantástico de agora há pouco! Quem teriam sido os entrevistados? Esse tipo de pubilcação não contribui com nada, e muito menos em favor da mulher! Se o resultado for verdadeiro seria melhor não divulgá-lo e trabalhar para a conscientização da população em sentido contrário!

Façamos, inicialmente, uma reflexão sobre o direito à sexualidade e o seu exercício, para contextualizamos o tema. O sexo é um dos mais importantes atributos da natureza humana, capaz de nos levar às alturas; o exercício da sexualidade, isto é, a prática sexual em nosso cotidiano é algo que nos sublima, nos transforma, nos eleva, nos faz feliz. Pela manhã, ao percebermos uma linda jovem, pela rua, apressada, atrasada para o trabalho, cabelinhos molhados, rindo à toa, podemos ter certeza de que ela teve uma bela noite de amor! E conosco não é diferente, também nos sentimos sublimados, flutuamos, vamos às nuvens quando nosso amor é correspondido, aliás, como é próprio do ser humano. 

No entanto, o exercício da sexualidade somente atinge esse nível de sublimação e nos causa essa extraordinária sensação de felicidade quando é consentido, desejado e reciprocamente querido; aliás, acreditamos que a vida sem amor deve ser insípida, inodora e incolor, não raro, privada de felicidade e de prazer. Mas o exercício da sexualidade, enfatizando, tem essa capacidade transformadora somente quando é movido pela liberdade consciente de escolha, de manifestação do instinto sexual de cada um e de todos, respeitando, acima de tudo, a liberdade, a personalidade e a dignidade humanas. Aliás, temos dificuldade em admitir que possa haver felicidade sem amor!

Na nossa concepção, nada é mais indigno, mais humilhante, mais destruidor do ser humano que a violência sexual, causando profundos traumas em suas vítimas que, por vezes, não conseguem superá-los. Na verdade, a violência sexual é nojenta, asquerosa, degradante, pois atinge os valores mais sagrados do ser humano, a sua dignidade, a sua intimidade, o seu interior, deixando-lhe marcas indeléveis.

Por isso, quando a liberdade individual e, mais especificamente, a liberdade sexual forem desrespeitadas, sendo colocada em prática a violência sexual, a repressão estatal deve fazer-se presente, energicamente, criminalizando e punindo severamente sua transgressão, como veremos a seguir.

2. Bem jurídico protegido

O bem jurídico protegido, a partir da redação determinada pela Lei n. 12.015/2009, é a liberdade sexual da mulher e do homem, o direito de exercerem a sua sexualidade, ou seja, a faculdade que ambos têm de escolher livremente seus parceiros sexuais, podendo recusar inclusive o próprio cônjuge, se assim o desejarem. Na realidade, também nos crimes sexuais, especialmente naqueles praticados sem o consenso da vítima, o bem jurídico protegido continua sendo a liberdade individual, mas na sua expressão mais elementar: a intimidade e a privacidade, que são aspectos da liberdade individual; aliás, assumem dimensão superior quando se trata da liberdade sexual, atingindo sua plenitude ao tratar da inviolabilidade carnal, que deve ser respeitada inclusive pelo próprio cônjuge que, a nosso juízo, também pode ser sujeito ativo do crime de estupro.

Liberdade sexual da mulher significa o reconhecimento do direito de dispor livremente de suas necessidades sexuais ou voluptuárias, ou seja, a faculdade de comportar-se, no plano sexual, segundo suas aspirações carnais, sexuais ou eróticas, governada somente por sua vontade consciente, tanto sobre a relação em si como em relação a escolha de parceiros. Esse realce é importante, pois para o homem parece que sempre foi reconhecido esse direito. Em outros termos, se reconhece que homem e mulher têm o direito de negarem-se a se submeter à prática de atos lascivos ou voluptuosos, sexuais ou eróticos, que não queiram realizar, opondo-se a qualquer possível constrangimento contra quem quer que seja, inclusive contra o próprio cônjuge, namorado(a) ou companheiro(a) (união estável); no exercício dessa liberdade podem, inclusive, escolher o momento, a parceria, o lugar, ou seja, onde, quando, como e com quem lhe interesse compartilhar seus desejos e necessidades sexuais. Em síntese, protege-se, acima de tudo, a dignidade sexual individual, de homem e mulher, indistintamente, consubstanciada na liberdade sexual de cada um e direito de escolha.

Admitimos, como limitações possíveis, somente no plano ético-moral, o respeito mútuo e a fidelidade que os parceiros estabelecem nas suas relações próprias de vida em comum. Enfim, o presente tipo penal, a partir da redação determinada pela Lei n. 12.015/2009, insere-se na finalidade abrangente de garantir a todo ser humano, que tenha capacidade de autodeterminar-se sexualmente, que o faça com liberdade de escolha e vontade consciente; pretende-se, em outros termos, assegurar que a atividade sexual humana seja realizada livremente por todos.

3 Dissenso da vítima: nível de resistência do ofendido

A conjunção carnal praticada mediante violência ou grave ameaça tipifica o crime de estupro capitulado no art. 213 do Código Penal, primeira parte, sendo irrelevante a virgindade da vítima, ou até mesmo tratar-se de mulher casada, solteira ou viúva, ou até mesmo prostituta. A configuração do crime repousa na supressão do poder (força ou capacidade de resistência) da mulher de defender-se ou de opor-se à prática do ato sexual.

A ordem jurídica não pode exigir de ninguém a capacidade de praticar atos heroicos, ou, mutatis mutandis, de empregar esforço sobre-humano para resistir à violência sexual. Também aqui vigem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, recomendando-se, concretamente, a avaliação da correlação de forças, especialmente a superioridade de forças do agente. Assim, não é necessário que se esgote toda a capacidade de resistência da vítima, a ponto de colocar em risco a própria vida, para reconhecer a violência ou grave ameaça. Para a configuração de crime de estupro não há necessidade de que a violência seja traduzida em lesões corporais. Exige a lei que a resistência da vítima à consumação seja sincera, real, autêntica, mas não exige que se prolongue até o desfalecimento. Nesse sentido, é impecável a conclusão de Guilherme Nucci: “Sob essa ótica, é curial afastar todo tipo de preconceito e posições hipócritas, pretendendo defender uma resistência sobre-humana por parte da vítima, a fim de comprovar o cometimento do estupro” .

Para completar o estudo sobre esse tema, consulte nosso Tratado de Direito Penal, volume 4, 8ª Ed, da Saraiva, cuja edição de 2014 já está nas bancas.

* Doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha na Espanha.

FONTE: https://www.facebook.com/cezarroberto.bitencourt?fref=ufi