DIREITO PENAL E PROPORCIONALIDADE: ANOTAÇÕES SOBRE O
CARÁTER INVASOR DA CONSTITUIÇÃO NO CONTROLE DAS NORMAS
PENAIS
CRIMINAL
LAW AND PROPORTIONALITY: NOTES ON THE INVASOR
CHARACTER OF CONSTITUTION IN CONTROL OF CRIMINAL RULES
Sebastião Sérgio da Silveira (*)
Rafael Tomaz de Oliveira (**)
RESUMO
As presentes reflexões tiveram por objetivo analisar a proporcionalidade e sua aplicação
ao direito penal a partir da ideia de Constituição invasora e de suas consequências para o
controle das normas penais. Nesse sentido, ressaltamos que este fenômeno acaba
recebendo maior propulsão em nossa época em face de vivenciarmos um período em que
as ideias de força normativa da Constituição e vinculação dos direitos fundamentais se
apresentam como consensuais. Assim, é certo que o controle das normas penais lesivas a
direitos fundamentais será efetuado tendo como parâmetro a ideia de proporcionalidade.
ABSTRACT
The present reflections´s goal was to analyze the proportionality and its application to
criminal law from the idea of invading Constitution and its consequences for the control
of criminal laws. In this regard, we emphasize that this phenomenon ends up getting
greater thrust in our time, because we experience a period in which the normative force
of the Constitution of ideas and linking of fundamental rights are presented as consensual.
Thus, it is certain that the control of criminal laws affecting the fundamental rights will
be made having as parameter the idea of proportionality.
Palavras-chave: Proporcionalidade; Controle das Normas Penais; Constituição Invasora; Vinculação dos Direitos Fundamentais.
Keywords: proportionality; Control of Criminal Standards; Invasive Constitution;
Linking of Fundamental Rights.
1. Notas Introdutórias – “Constituição Invasora” e Direito Penal
Nas últimas décadas, a dogmática jurídica de matriz europeia sofreu
profundas transformações. A mais notável delas, sem dúvida, liga-se ao
redimensionamento que se operou em torno do papel desempenhado pela Constituição e
pelo direito constitucional no contexto da práxis político-jurídica.(1) Os juristas que
desempenham suas atividades sob o arco de influência do direito europeu sempre
estiveram envolvidos com as chamadas disciplinas dogmáticas em um contexto de autoreferência,
no interior do qual as práticas jurídicas de interpretação e aplicação do direito
tinham seus problemas resolvidos a partir de critérios e estratagemas desenvolvidos
autonomamente pela área do saber em que se estava a trabalhar. Nessa medida, o direito
privado produzia uma dogmática particular e, na mesma linha, também o fazia o direito
penal.(2) Para nós brasileiros isso é particularmente significativo, influenciados que somos
pelo pensamento jurídico alemão nos dois campos acima citados.
Todavia, no contexto daquilo que já foi nomeado como
neoconstitucionalismo, mas que, aqui, nos limites destas reflexões, preferimos nomear
como Constitucionalismo Contemporâneo, esse reducionismo metodológico que
tradicionalmente opera no contexto da dogmática jurídica tradicional, passou a sofrer um
rompimento. Tal modificação estrutural deve-se ao advento de um novo tipo de
experiência constitucional vivenciada pela Europa continental a partir do fim da Segunda
Guerra Mundial.(3) Jorge Miranda indicou esse novo modelo de constitucionalismo como
um tipo de “revolução” no âmbito da teoria do direito e da dogmática jurídica, similar
àquela propiciada por Copérnico quando ofereceu uma alternativa científica ao modelo
astronômico de Ptolomeu: tal como a terra cedeu lugar ao sol como o centro de nosso
sistema planetário, os Códigos cederam lugar às Constituições como o centro do sistema
jurídico. Falava, então, o professor português de uma “revolução copernicana” do direito
público (4) . A fala do mestre português atestava o fato de que, a partir da segunda metade
do século XX, as Constituições deixaram para trás sua tradicional concepção que atribuía
a ela a estrita função de realizar a conformação política do Estado, estabelecendo um
procedimento para produção legislativa e dos demais atos do Poder público, tornando-se
juridicamente vinculante, passando a prever um rol de direitos fundamentais que
determinavam os conteúdos desta mesma produção normativa. Vale dizer – na formula
consagrada por Konrad Hesse –, as Constituições do Segundo Pós-Guerra, mais do que
simples “folhas de papel”, como queria Ferdinand Lassalle, possuem Força Normativa,
vinculando diretamente as relações entre sociedade e Estado (5) .
Em um contexto como esse, o direito penal e seu aparato dogmático não
podem ficar imunes à essa importantíssima transformação. Aliás, essa impossibilidade de
imunização não é uma peculiaridade do direito penal sendo igualmente verificada no
âmbito do direito privado a partir daquilo que já de algum tempo vem sendo nomeado
como constitucionalização do direito privado, ou ainda, mais especificamente, eficácia
dos direitos fundamentais nas relações privadas. No caso, tais fenômenos podem ser
lidos a partir daquilo que o jurista italiano Ricardo Guastini chama de constituição
invasora. Com efeito, para explicar sua ideia o autor resgata a tese da constitucionalização
do ordenamento jurídico que, em suas palavras, deve ser entendida como “un proceso de
transformación de un ordenamiento al término de cual el ordenamiento en cuestión resulta
totalmente ‘impregnado’ por las normas constitucionales. Un ordenamiento jurídico
constitucionalizado se caracteriza por una Constitución extremamente invasora,
entrometida (pervasiva, invadente), capaz de condicionar tanto la legislación como la
jurisprudencia y el estilo doctrinal, la acción de los actores políticos, así como las
relaciones sociales.”(6)
Nessa ordem de ideias, o presente artigo pretende colocar como objeto de
análise o papel desempenhado pela proporcionalidade no contexto desse
constitucionalismo invasivo com relação ao direito penal. Queremos saber até que ponto
a doutrina e a jurisprudência mostram-se abertas a estas situações e de que modo
articulam a proporcionalidade com esse fim (de abertura da dogmática penal em relação
ao direito constitucional).
Para tanto, as reflexões que seguem foram dividias em duas partes:
a) Na primeira, procura-se situar a discussão a respeito da proporcionalidade
no ambiente desse Constitucionalismo Contemporâneo, procurando elucidar algumas
questões teóricas que ainda se apresentam como um problema para a doutrina, v.g. as
diferenças entre proporcionalidade e razoabilidade; o estatuto teórico da
proporcionalidade, se ela se apresenta ou não como princípio; e, por fim, os aspectos
ligados ao seu desdobramento metodológico.
b) Já na segunda parte do trabalho, busca-se analisar questões que giram torno
dos problemas concretos apresentados pela articulação dos critérios da proporcionalidade
no âmbito das práticas jurídico-penais. Assim, lançamos luz, em primeiro lugar, no
aspecto processual penal que advém da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal
na ADI 4.244 que tinha como objeto dispositivos da lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da
Penha). Em um segundo momento, tratamos do caso julgado pelo Superior Tribunal de
Justiça no Habeas Corpus nº 252.802 no interior do qual a quinta turma firmou o
entendimento em que se aplicava analogicamente a disposição que prevê a extinção da
punibilidade nos casos em que os investigados por crime contra a ordem tributária quitam
o débito com o fisco antes do recebimento da denúncia (artigo 34 da Lei nº 9.249/95), a
um caso de furto no qual houve o ressarcimento da res furtiva antes que a denúncia fosse
oferecida (que, nos termos do art. 16 do Código Penal, levaria apenas uma diminuição da
pena de 1/6 a 2/3). Nossa intenção, nesse particular, é descobrir aqui a relação que essa
decisão possui com a proporcionalidade.
c) Por fim, no último ponto a ser abordado, apresentamos alguns casos de
hipervaloração ou subvaloração dos bens jurídicos tutelados pelos diversos tipos penais
existentes em nossa atual legislação criminal procurando apontar de que modo isso fere
a proporcionalidade a partir de um equivoco legislativo na determinação das penas
impostas a cada crime. Nesse sentido, postulamos a necessidade de uma especial atenção
do legislador de lege ferenda, no que tange ao projeto de novo código penal, atualmente
em trâmite no Congresso Nacional.
2. A proporcionalidade no direito brasileiro: estatuto teórico e problemas interpretativos
2.1. Proporcionalidade v.s. Razoabilidade
Embora seja quase intuitiva a existência de uma diferença entre
proporcionalidade e razoabilidade, uma resposta clara acerca de tal distinção é difícil de
ser encontrada no direito brasileiro. Contribui para isto o fato de a jurisprudência do STF
equiparar, às vezes, os dois institutos, encarando-os como faces de uma mesma moeda.
Todavia, há que se deixar claro, de plano, que as diferenças existem e são
substanciais. Nos limites dessas reflexões, é possível apontar ao menos dois eixos que
permitem elaborar essa distinção: a) o primeiro, no que tange à origem histórica de cada
um desses mecanismos jurídicos; b) o segundo, em razão de algo que podemos enunciar
como “grau de desenvolvimento analítico”.
Em artigo escrito ainda em 2002, Vírgilio Afonso da Silva procura esclarecer
de forma mais precisa as diferenças entre a razoabilidade e a proporcionalidade a partir
de um cotejo do modo como o tema é tratado pela doutrina brasileira.
Esclarece o autor que prevalecia, até então, entre os autores brasileiros, a ideia
de que proporcionalidade e razoabilidade, no fundo, seriam o mesmo conceito jurídico
que difeririam unicamente com relação à origem, sendo que a razoabilidade seria oriunda
da experiência anglo-saxã e a proporcionalidade, por seu turno, da tradição germânica.(7)
Para Vírgilio, no entanto, embora seja possível, em alguma medida, dizer que
tais tradições tenham produzido experiências distintas em torno dos termos mencionados,
as diferenças entre os dois são maiores do que questões meramente terminológicas ou
“etimológicas”.
Nesse ponto, esclarece, ainda, que o mais correto no que tange à tradição
inglesa não seria falar em razoabilidade ou princípio da razoabilidade, mas, sim, em
irrazoabilidade ou princípio da irrazoabilidade (8) .
Já a proporcionalidade, por outro lado, no modo como trabalhada na
dogmática dos direitos fundamentais, seria um desenvolvimento da jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht) que, em sua
utilização procura cravar uma maior analiticidade para o controle de leis restritivas de
direitos fundamentais.
Nos termos formulados pelo autor:
A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu
por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples
pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples
análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional
alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com sub-elementos independentes - a
análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito - que são
aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a
individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade.(9)
Em outras palavras, o senso comum pode, em diversas situações, confundir
a aplicação dos termos razoabilidade e proporcionalidade, mas, no âmbito da ciência
jurídica, há um desenvolvimento técnico que aponta para diferenças estruturais entre um
termo e outro.
Uma análise aprofundada desta temática foge aos objetivos deste texto que
pretende, mais precisamente, articular o papel da proporcionalidade no controle das
normas penais, demonstrando como isso representa um aspecto ou faceta daquilo que
chamamos acima de “Constituição invasora”. De todo modo, estamos de acordo com
Virgílio quanto aos elementos de diferenciação entre razoabilidade e proporcionalidade.
Assim, a questão não é apenas terminológica ou de origem, mas, também, e
principalmente, de estrutura analítica e forma de aplicação.
Com efeito, a razoabilidade está ligada a pressupostos mais genéricos de
aplicação o que gera maior margem de manobra do intérprete no momento de concretizala
em uma situação jurídica concreta, ao passo que a proporcionalidade exigiria o
cumprimento, por parte do intérprete, de etapas específicas de analise que submeteriam a
uma espécie de teste as leis restritivas de direitos fundamentais.
A razoabilidade seria, assim, uma pauta genérica que afastaria – em casos
concretos – disposições normativas que se mostrariam ali injustificadas ou
despropositadas; a proporcionalidade, por seu turno, apareceria como uma estrutura racionalmente definida e com um procedimento que se pretende controlável
publicamente.(10)
Um exemplo pode ilustrar melhor a questão. No campo penal, a aplicação
concreta do chamado princípio da insignificância pode ser apresentado, ao mesmo tempo,
como um desdobramento da exigência de razoabilidade ou na aplicação da
proporcionalidade, em sua face de proibição de excesso. No caso, é fácil demonstrar que,
quando se fala em insignificância, está-se a apontar para casos em que a intervenção penal
do Estado se mostra excessiva, ou irrazoável, com relação à conduta que se está a julgar.
Mas não existe parâmetros ou fórmulas que permitam um controle por parte da
comunidade jurídica da decisão formulada pela atividade judicante.
Veja-se, por exemplo, o recente entendimento exarado pela 6a
. Turma do
Superior Tribunal de Justiça no HC 285.180. No julgamento deste writ, entendeu o
tribunal que o principio bagatelar não deve ser aplicado em casos de infrator contumaz,
de maus antecedentes. Essa decisão dá amostra da dimensão de maleabilidade da
razoabilidade. Mas do que colocar fim a uma discussão, ela acaba por gerar uma série de
questões que ficam sem respostas. A principal delas, talvez, seja a seguinte: a
insignificância, que torna irrazoavel a aplicação da lei penal nos casos de crimes de
bagatela, liga-se à conduta, objetivamente considerada, ou pode considerar, também,
elementos subjetivos do acusado?
Luciano Feldens, por sua vez, descreve a situação de aplicação do princípio
da insignificância como uma manifestação da proporcionalidade em sua faceta de
proibição de excesso na medida em que “a constatação acerca da insignificância não é
senão a realização de um juízo concreto de desproporcionalidade que se realiza acerca da
potencial incidência de uma medida legalmente prevista (a sanção penal) a uma situação
de fato.” (11)
Para confirmar sua hipótese, Feldens submete um determinado tipo penal ao
teste das três dimensões da proporcionalidade (adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito) em um caso de incidência do princípio da
insignificância:
Imaginemos, como exemplo, a extrapolação, em pequena quantidade, do limite de isenção
tributária para introdução de mercadorias no país, a configurar formalmente o delito de
descaminho (art. 334 do Código Penal). Em tal hipótese, revelando-se, a sanção prevista
(reclusão, de 1 a 4 anos), manifestamente excessiva, a incidência da medida – que, em tese,
é adequada e necessária à proteção do bem jurídico – não passará pelo exame da
proporcionalidade em sentido estrito, haja vista o evidente descompasso entre a lesividade
da conduta no caso concreto e a intrusão prevista no âmbito do direito fundamental restringido (a liberdade), notadamente quando outros meios menos invasivos se alçam em
tais circunstâncias, com similar eficácia, a restaurar o interesse protegido (v.g., mediante o
recurso a sanções administrativas).(12)
Percebe-se, portanto, que há mesmo um diferença estrutural entre a exigência
da razoabilidade e o juízo de ponderação. De algum modo, este último pretende-se mais
rigoroso do ponto de vista técnico, na medida em que estabelece um procedimento de
verificação para validar o juiz substantivo realizado pelo órgão judicante para afastar atos
normativos que se apresentariam como lesivos a direitos fundamentais.
2.1.1. Considerações sobre a relação entre Jurisprudência dos valores, ponderação e
proporcionalidade na jurisprudência do Bundesverfassungsgericht.
Conforme afirmamos no início destas reflexões, aquilo que ficou conhecido
como “revolução copernicana do direito público” (13) produziu uma série de debates
reconduzindo a Constituição e o Direito Constitucional a um lugar realmente novo no
âmbito da experiência jurídica vivenciada pelo Europa continental.
Dentre as mais variadas concepções, nunca é demais lembrar as ideias de
força normativa da constituição (14) e de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais
que, nesta quadra da história, condicionam efetivamente o legislador infraconstitucional.
O Tribunal Constitucional Federal alemão, em diversas oportunidades (15) ,
firmou a concepção de que a Lei Fundamental se assenta em uma ordem plural de valores
guarnecidos pelos princípios constitucionais. Tais valores, por serem plurais, no mais das
vezes, encontram-se em rota de colisão. Vale dizer, as circunstâncias concretas sob as
quais se assenta o caso a ser decidido pode fazer com que dois valores, igualmente
amparados por princípios constitucionais, estejam agindo como forças opostas para
solução do caso. Assim, é necessário que haja um procedimento para apurar qual deles
possui mais força para reger a relação estabelecida naquele dado caso. Esse procedimento
é a chamada ponderação que o tribunal afere segundo critérios de proporcionalidade.
Esse tipo de solução acabou se espalhando por todos os ramos do direito na
medida em que, esse novo fenômeno constitucional provocou algo que é chamado por
diversos autores de constitucionalização do direito. (16)
O mencionado fenômeno nada mais quer significar do que a invasão das
disposições constitucionais – mormente aquelas guarnecedoras de direitos fundamentais
– em todos os ramos do direito, inclusive no âmbito do direito privado que, classicamente,
se colocava como um “feudo” inviolável. Assim, é interessante citar o caso que constitui
o Leitmotiv do BfverGE 7 377. Nesse caso, o tribunal teve de decidir se um determinado
dispositivo de uma lei de um Estado que limitava a abertura de farmácias a partir da
instituição de certos requisitos estava de acordo com o princípio da liberdade profissional
guarnecido pela Lei Fundamental. Nesse caso, o tribunal ponderou sobre a importância
do direito fundamental à liberdade de profissão e o bem comunitário do direito à a saúde
pública. No caso em específico, o tribunal entendeu inconstitucional a lei do Estado por ferir “em grau muito elevado” a liberdade profissional estatuída (como valor) pela Lei
Fundamental.
Essa atividade de constante intervenção do tribunal nas mais variadas
questões apresentadas pela sociedade provocou grande reação por parte da comunidade
intelectual alemã. Autores da estatura de um Jürgen Habermas, passaram a criticar
duramente a jurisprudência do tribunal classificando-a como ativista, nos termos das
discussões que têm lugar nos Estados Unidos.(17)
Já no caso de autores como Robert Alexy, a postura que se apresenta é mais
de legitimação teórica da atividade do tribunal, do que propriamente de crítica. Alexy
aprova, em alguma medida, a Jurisprudência da valoração pratica pelo tribunal. Todavia,
reconhece que, nalguns momentos, o apelo a valores pode levar a certo irracionalismo
decisório, na medida em que não existem critérios objetivos para determinar qual dos
valores em conflito deve prevalecer. Assim, em sua obra, Alexy opõe um modelo
decisionista a um modelo fundamentado de sopesamento. O modelo decisionista
representa as decisões “irracionais”. O fundamentado, por sua vez, tem lugar no momento
em que a lei da ponderação é aplicada às decisões do tribunal.(18)
Mais recentemente, Mathias Jastaedt afirma que a jurisprudência do Tribunal
Constitucional, na perspectiva de concretizar a constituição, acabou criando um
aglomerado de decisões que, hodiernamente, são constantemente referidas para oferecer
soluções para os novos casos apresentados ao tribunal. Assim, o autor fala de um poder
cada vez maior do “guardião da Constituição” em detrimento do poder de revisão da
Constituição, que é do legislador constitucional.(19)
Por certo que decisões “ativistas” ou que ultrapasse os limites estabelecidos
juridicamente na Constituição devem ser criticadas e proibidas. Uma teoria da decisão,
como será apresentada nos itens seguintes, tem como missão criar as condições para o
controle jurídico das decisões judiciais, condenando qualquer tipo de decisionismo
político por parte dos tribunais. Todavia, não se deve confundir esse tipo de postura – que
defende uma autonomia para o jurídico no momento da construção das soluções
apresentadas aos casos concretos – com uma vetusta proibição de interpretar. A tarefe de
concretização exige, sim, um exercício interpretativo. Mas essa interpretação sofre limites
e essa é a grande questão a ser abordada. Definitivamente, o fato de ser inexorável
interpretar para se fazer direito não pode autorizar decisões arbitrárias por parte do
intérprete. Toda essa problemática reivindica uma revisão e uma nova postura com
relação ao dever constitucional de fundamentação das decisões proferidas pelo judiciário
(art. 93, IX da CF/1988).
2.1.2. Crítica à “recepção” da Jurisprudência dos valores pela doutrina brasileira.
No Brasil, o final do regime militar e o processo de redemocratização que
culminou com a promulgação da Constituição de 1988, trouxe à tona todo o debate sobre
Direito Constitucional que esteve presente no campo jurídico europeu na segunda metade
do século XX. Assim, é possível dizer – numa expressão de Gomes Canotilho – que, no
interior da doutrina brasileira, o Direito Constitucional, realmente, passou de disciplina
assessória para disciplina estruturante. Não faltam livros, teses de doutoramento e dissertações de mestrado para fazer referência a mantras como força normativa da
Constituição; normatividade dos princípios constitucionais; efetividade dos direitos
fundamentais, etc..
Evidentemente, esses fatores apontam para um aperfeiçoamento democrático
da academia jurídica no Brasil e devem ser, na sua devida medida, festejados.
Todavia, a questão problemática surge no momento em que todas essas
questões são ventiladas sem o necessário enquadramento e equacionamento das
peculiaridades culturais que marcaram a discussão nos países europeus.
Esse problema que acomete parte da doutrina brasileira vem sendo fortemente
denunciado por Lenio Streck (20). Com efeito, segundo o jusfilósofo, a doutrina brasileira
operou três recepções equivocadas: a) dos postulados da Jurisprudência dos Valores; b)
da Ponderação Alexyana; c) do ativismo judicial norte-americano.
Aqui, nos interessa mais de perto, a questão que diz respeito aos equívocos
presentes na recepção dos postulados da Jurisprudência dos Valores.
Tornou-se comum no Brasil o discurso sobre a chamada constitucionalização
do direito – em referencia ao espalhamento das disposições constitucionais para todos os
demais ramos do direito. É comum a referência ao fato de que o direito
(infraconstitucional) não pode ficar imune aos “valores” introduzidos pela nova ordem
constitucional.(21) Valores esses que são conduzidos para dentro do sistema jurídico pela
via dos princípios constitucionais que devem ser aplicados segundo as regras da
ponderação.
Streck afirma que as teses da Jurisprudência dos valores serviram, na
realidade alemã, para oferecer um método que possibilitasse a abertura de uma estrutura
de legalidade extremamente fechada e rígida. As concepções de sistema predominante,
inclusive, também apontavam para um fechamento rigoroso do direito e para uma
restrição forte da criação da atividade judicial. Isso começou a se alterar com a partir das
denúncias do movimento do direito livre e das criticas à “falácia conceitual” efetuada pela
jurisprudência dos interesses. Ocorre que, os fatores históricos levaram a uma dificuldade
de implementação dessas teses que só chegaram a ser efetivamente ventilada no âmbito
judicial com o final da Segunda Guerra Mundial. A Jurisprudência dos valores, nesses
sentido, pode ser vista como um aperfeiçoamento das teses da jurisprudência dos
interesses. Sua contribuição é conduzir a solução da “criação judicial do direito” nos casos
de lacunas pelos valores que sustentam todo o discurso sobre o direito.
Esse ponto é que parece não ter sido bem compreendido por parte da doutrina
brasileira. Como afirma Streck:
os juristas brasileiros não atentaram para as distintas realidades (Brasil e Alemanha). No caso
específico do Brasil, onde, historicamente, até mesmo a legalidade burguesa tem sido difícil
de ‘emplacar’, a grande luta tem sido estabelecer um espaço democrático de edificação da
legalidade, plasmado no texto constitucional. (22)
Também no direito privado há uma acentuada incidência das teses presentes
na Jurisprudência da valoração. Isso acontece, no mais das vezes, na senda aberta pelas
chamadas “cláusulas gerais” que, nem sempre é articulada de forma adequada pela doutrina brasileira, deixando excessiva margem de discricionariedade para o julgador no
momento da decisão de um caso que esteja coberto por uma dessas regras.(23)
Em suma, há que se ter presente que a Jurisprudência dos valores produziu
um tipo de discurso metodológico que, ainda hoje, faz parte de nossa doutrina e
jurisprudência. A ideia de ponderação e proporcionalidade é oriunda dessa experiência.
As críticas que são feitas aos partidários da valoração passam pelo excesso de
subjetivismo que existe na ideia de valores (que estão a depender do sujeito que os
conhece e os articula) chegando às acusações de irracionalidade a que o procedimento da
ponderação submete o direito.(24)
2.2. Proporcionalidade: Princípio ou Regra?
Outro problema de ordem conceitual que divide o pensamento jurídico com
relação à proporcionalidade, diz respeito à sua definição como regra ou princípio. Nesse
caso, a análise do problema deve pressupor duas ordens de ideias: a primeira diz respeito
ao próprio conceito de princípio. A segunda, refere-se ao tipo de distinção que se realiza
entre regras e princípios.
No que tange à primeira questão levantada, a respeito do conceito de
princípio, já tivemos a oportunidade de estabelecer uma analise mais minuciosa em outros
trabalhos.(25)
2.2.1. Breve discussão sobre o conceito de princípio.
Em linhas gerais, podemos afirmar que O termo princípio é utilizado pelos
juristas com diferentes perspectivas e intencionalidades. Quando se fala em princípio no
direito, nem sempre se está diante da mesma referência objetual. Em termos conceituais,
o espaço denotativo do conceito de princípio é abrangente.
Ocorre que, aqueles que operam com a linguagem jurídica, nem sempre se
preocupam em precisar o sentido com que estão operando no momento em que fazem uso
do conceito de princípio. Incorre-se, assim, em uma confusão decorrente do uso aleatório
do conceito.
Daí que, qualquer análise rigorosa que se faça a respeito do conceito de
princípio, deve partir de um esclarecimento inicial a respeito de suas diversas
possibilidades de uso.
No contexto atual, o termo princípio é certamente um dos mais recorrentes
tanto no plano da produção teórica do direito, quanto no nível das práticas cotidianas dos
tribunais. Afirma-se que os princípios são “as normas fundantes e nucleares de um
sistema”(26); que se apresentam como demarcadores do “ponto inicial dos estudos de uma
disciplina jurídica”; que são instrumentos de colmatação de lacunas, nos termos do art.
4
o
. da LINDB; que são normas (27); que são “normas de normas”(28); que representam um
“fechamento interpretativo limitador da discricionariedade judicial”(29); etc..
Uma simples aproximação inicial em meio a esses diversos enunciados
aleatoriamente mencionados no parágrafo anterior é suficiente para perceber que, tais
assertivas, não se referem necessariamente ao mesmo campo significativo. Ao contrário,
cada uma possui uma origem específica em um determinado espaço de experiência que
lhe projeta, ou lhe abre, um correspondente horizonte de expectativa que irá estabelecer
as possibilidades semânticas de significação do conceito.(30)
Para facilitar a compreensão, podemos agrupar esses diferentes usos do
conceito em três dimensões que comportam, do ponto de vista da história conceitual, um
diferente espaço de experiência e um específico horizonte de expectativa. Essas três
dimensões cobrem um movimento histórico que se deflagra no século XIX e chega até o
nosso contexto atual. Assim, é preciso distinguir e perceber as rupturas que existem entre
três possibilidades de uso do conceito: a) os princípios gerais do direito; b) os princípios
jurídico-epistemológicos e c) os princípios constitucionais.
2.2.1.1 Princípios Gerais do Direito
A utilização do conceito de princípio para se referir à ideia de princípios
gerais do direito remonta ao século XIX e a formação dos sistemas codificados de direito
privado, notadamente a realização máxima desse conjunto de experiências que são os
Códigos Civis (os mais representativos, nesse contexto, são: o Código Civil francês de
1804 e o Código Civil alemão de 1900).
Na verdade, a introdução dos princípios gerais do direito nesse espaço de
experiências representa um abalo no ideal de completude que revestia a codificação
francesa (é sempre lembrada nesse sentido a prescrição napoleônica que proibia a
interpretação dos dispositivos do código) e na formula dedutivista de aplicação do direito
criada pela pandectistica alemã. Representariam eles “axiomas de justiça” que poderiam
reforçar o sistema codificado em casos de lacunas legislativas.
No fundo, os princípios gerais do direito continuavam a operar com a mesma
lógica que estava pressuposta pelo sistema de direito privado: a lacuna legislativa seria
apenas aparente. O sistema seria sempre completo, uma vez que os princípios gerais do
direito seriam postulados racionais que estariam pressupostos pelo sistema codificado.
Sua aplicação a casos particulares, além de excepcionalíssima, obedeceria ainda às regras
do método dedutivo- axiomático. O apelo à razão é significativo aqui porque denota, de
forma expressiva, como tais “princípios gerais” representavam uma espécie de reminiscência jusnaturalista dentro do sistema positivo de direito privado, plasmado nas
codificações.
2.2.1.2 Princípios Jurídico-epistemológicos
O tempo histórico que conforma o uso desse conceito é o mesmo daquele
verificado para os princípios gerais do direito. Todavia, o espaço de experiência é distinto.
Dessa forma, o tipo de expectativa que se gera desse uso do conceito de princípio difere
nitidamente daquela observada acima.
Em primeiro lugar, os princípios gerais do direito possuem uma clara
intencionalidade aplicativa. Vale dizer, eles se propõem a resolver um problema de
aplicação do direito em casos que, aparentemente, não existe nenhuma regra clara
disponível no sistema para resolver o caso concreto apresentado. Já os princípios jurídicoepistemológicos
intencionam dirigir e organizar o estudo de uma disciplina científica
particular do direito.
No século XIX, inaugura-se também um movimento de autonomização de
diversas disciplinas no estudo do direito. A ciência jurídica que até então englobava todo
o estudo do direito – principalmente o direito privado – passa a adotar filhotes que
demarcaram as particularidades de uma série de especialidades que não apareciam no
espaço de experiência dos juristas medievais e dos primeiros representantes da
modernidade jurídica.
O processo, por exemplo, antes um apêndice dos estudos sobre o direito
privado, passa a ser estudado autonomamente com pretensões de instituir uma ciência
autônoma: a ciência processual. As disciplinas de direito do Estado (Constitucional,
Administrativo e Tributário) passam, igualmente, por um processo de autonomização
com relação à filosofia política e aos precários estudos sobre o “direito público”,
reivindicando, igualmente, o status de ciência.
A ideia de ciência, aqui, não está ligada à aplicação de um método
experimental, mas, sim, à ideia de sistema. A questão é estudar, de forma autônoma e
sistemática, cada uma dessas disciplinas.
Todas essas disciplinas, sem exceção, irão recorrer ao conceito de princípio
para organizar e sistematizar os seus conteúdos. Porém, nesse caso, a preocupação é com
o estudo e a análise dos temas cobertos por cada uma dessas disciplinas e, não
necessariamente, uma reposta a um problema de aplicação do direito. Esse último aspecto
pode até aparecer no campo de analise, porém esse será um efeito indireto. A função
primordial do conceito de princípio aqui é de natureza epistemológica: organizar o estudo
de uma disciplina jurídica específica.
2.2.1.3 Princípios Constitucionais
No contexto das transformações que se verificam na teoria jurídica a partir do
final da Segunda Guerra Mundial, também o conceito de princípio sofre, ao mesmo
tempo, um processo de ruptura no contextos de espaço e experiência e horizonte de
expectativa levando à abertura de novas dimensões significacionais.
Nesse caso, os princípios – agora associados à Constituição e a toda sua carga
política de conformação de uma nova sociedade e da possibilidade de instituição de um
melhor governo, limitado e respeitador dos direitos fundamentais – passam a incorporam
um elemento pragmático muito forte. Há uma semelhança de intencionalidade com
relação aos princípios gerais do direito. Ambos atuam num contexto de aplicação do
direito. Todavia, a composição metodológica do conceito de principio geral do direito é
axiomático-dedutiva, ao passo que, os princípios constitucionais são fortemente
pragmáticos.
É nesse contexto que se insere a discussão sobre o caráter principiológico (ou
não) da proporcionalidade.
2.2.2 Aproximações sobre o problema da distinção regra-princípio.
No contexto de afirmação da ideia de princípios constitucionais, o problema
da distinção entre regras e princípios afigura-se, na melhor doutrina, como uma distinção
qualitativa e não quantitativa, como era predominante em paradigmas anteriores.
Isso significa que a diferença que se verifica não pode ser percebida a partir
de fatores genéricos, como é o caso do grau de abstração (princípios seriam comandos
mais abstratos e genéricos que as regras que, por natureza, seriam comandos mais
concretos) (31). A diferença é verificada a partir de outros elementos.
No caso, dois autores ocupam um lugar proeminente nesse debate: Ronald
Dworkin e Robert Alexy.
A primeira vista, parece muito similar a distinção oferecida por Alexy,
daquela apresentada por Dworkin, de modo que existem interpretações que justapõem
teoricamente os dois autores, alegando uma espécie de aperfeiçoamento analítico
efetuado por Alexy em relação a Dworkin. Mas, olhadas mais de perto – e tendo como
pressuposto as diferenças estruturais que caracterizam o pensar de cada um destes autores
– as posições parecem assumir significados muito distantes entre si. A tese da
justaposição tem por base os seguintes argumentos:
a) tanto Dworkin quanto Alexy pretender apresentar uma diferença
qualitativa (e não simplesmente quantitativa – de grau ou generalidade) entre regras e
princípios;
b) O tudo-ou-nada como que Dworkin apresenta como característica para as
regras, é expressamente assumido por Alexy e se aproxima, em grande medida, daquilo
que este autor denomina “mandado de definição”;
c) Dworkin se refere a uma dimensão de peso e de importância presente em
seu conceito de princípio e que impediria, ao contrário das regras, a exclusão de um em
favor da aplicação de outro, como fatalmente acontece com as regras. Essa dimensão de
peso – também expressamente referenciada por Alexy – seria o ponto por onde o
argumento da ponderação seria introduzido no conceito de princípio de Dworkin.
Tais considerações, todavia, não parecem estar corretas.
Isto porque:
a) Alexy e Dworkin operam com diferentes conceitos de norma e o caráter
deôntico dos princípios é dado de maneira distinta em cada um deles. Para Alexy, o
princípio tem caráter deôntico porque, como mandado, participa, ao lado das regras, do
gênero norma. Para Dworkin a normatividade do direito se manifesta concretamente na
própria prática interpretativa e não num sistema lógico previamente delimitado, sendo,
portanto, o conceito de norma remetido a um nível pragmático – e não meramente
semântico como quer Alexy. Os princípios são normativos em Dworkin porque
acontecem, argumentativamente, no interior desta atividade interpretativa que é o direito;
b) É, de algum modo, apressada a aproximação que se faz entre o tudo-ou-nada
de Dworkin e a subsunção como forma de aplicação do direito preservada por Alexy.
Subsunção pressupõe silogismo que, por sua vez, repristina a velha cisão entre questão
de fato e questão de direito que definitivamente não está em jogo quando se fala de tudo-ou-nada.
Ademais, a referência dworkiana a essa característica da regra refere-se muito
mais ao modo como se dá a justificação argumentativa de uma regra, do que propriamente
ao seu modelo de aplicação. Ou seja, quando se argumenta com uma regra ela é ou não
é, e sua “aplicação” não depende de um esforço argumentativo que vá além dela própria.
Já num argumento de princípio, é necessário que se mostre como sua “aplicação” mantém
uma coerência com o contexto global dos princípios que constituem uma comunidade;
c) isso implica, diretamente, a dimensão de peso ou importância à que
Dworkin faz referência no seu conceito de princípio. É possível dizer que Dworkin
combina peso e importância porque, ao contrário das regras, nenhum princípio deixa de
ter importância e pode ser excluído da fundamentação de uma decisão. Sua dimensão de
peso implica que, um argumento de princípio sempre se movimenta de forma coerente
com relação ao contexto de todos os princípios da comunidade. Desse modo, a
justificação do fundamento da decisão só estará correta, na medida em que respeite o todo
coerente de princípios num contexto de integridade. Isso implica: os princípios têm, desde
sempre, um caráter transcendental, porque, diferentemente das regras, nos remete à uma
totalidade na qual, desde sempre, já estamos inseridos: nosso contexto de mundo, de
vivências primarias que constituem a significatividade do mundo. Por isso, ponderação
e dimensão de peso não são equivalentes.
Com isso, foi possível ressaltar, com maior precisão, como Dworkin e Alexy
apontam para direções diferentes como suas posições sobre o conceito de princípio e a
consequente distinção entre regras e princípios.
Para Alexy, a proporcionalidade seria uma máxima vinculada à ponderação
como fórmula de solução para a colisão de princípios.
Como esclarece o próprio jusfilósofo:
A máxima da proporcionalidade é com frequência denominada princípio da
proporcionalidade. Nesse caso, no entanto, não se trata de um princípio no sentido aqui
empregado. A adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito não são
sopesadas contra algo. Não se pode dizer que elas às vezes tenham precedência, e às vezes
não. O que se indaga é, na verdade, se as máximas foram satisfeitas ou não, e sua não satisfação
tem como consequência uma ilegalidade. As três máximas parciais devem ser,
portanto, consideradas como regras.(32)
Por tudo o que foi dito, parece-nos que afigura-se como mais coerente a
posição que afirma ser a proporcionalidade uma regra e não um princípio.
3. A proporcionalidade como instrumento de controle das normas penais: a utilização
pela jurisprudência da proibição de proteção deficiente
Um ponto importante no que tange à proporcionalidade associada ao direito
penal, diz respeito à possibilidade de articula-la em sua dimensão de proibição de
proteção deficiente que faz parte, com já assentado, da chamada dupla face da
proporcionalidade.(33)
Há no Brasil importantes estudos sobre a incidência dessa dimensão da
proporcionalidade no campo do controle das normas penais. Por todos, citamos aqui os
trabalhos de Maria Luiza Schäfer Streck (34) e Luciano Feldens (35). Ponto singularmente
polêmico, e que recentemente ocupou espaço considerável no espaço público brasileiro,
diz respeito à possibilidade de articular concretamente a ideia de mandados
constitucionais de criminalização ou penalização. Um exemplo disso, no âmbito da ordem
constitucional brasileira, seria o caso do crime de racismo que recebeu especial atenção
do constituinte determinando ao legislador ordinário sua regulamentação (art. 5o
., inciso
XLII da CF/88). Porém, no contexto do chamado dirigismo constitucional, cogita-se a
possibilidade de se inferir da Constituição mandamentos criminalizadores que não
estejam explícitos, mas que possam ser de alguma forma deduzidos de seu sistema de
valores. Como afirma Feldens:
Uma eventual renúncia, total ou parcial, pelo constituinte, ao recurso a normas de prestação
normativa em matéria penal não quer significar que a Constituição não desponte, ainda que
implicitamente, uma obrigação positiva dirigida ao legislador no sentido de conferir proteção
(em dado momento e em alguma medida, proteção jurídico-penal) a determinados bens
jurídicos abraçados pela nota da fundamentalidade.36
Recentemente, tal debate foi reacendido em razão de parecer exarado pelo
Procurador Geral da República em Mandado de Injunção entendendo ser lícito ao
Supremo Tribunal Federal antecipar-se ao Congresso e utilizar texto de projeto de lei que
criminaliza a homofobia para estipular a punição no Código Penal a quem cometer crimes
resultantes de discriminação motivada por identidade ou orientação sexual.
Segundo o procurador-geral, o preconceito contra gays, lésbicas, bissexuais,
travestis e transexuais viola direitos fundamentais do cidadão e exige medida que
implemente o dever constitucional de proteção de tais direitos. Além disso, ele disse que
o Mandado de Injunção estabelecido na Constituição Federal permite o “diálogo
institucional entre os poderes” e “a possibilidade de construção normativa no controle de
constitucionalidade”.
Não é nosso objetivo discutir o acerto ou erro do parecer do PGR. Todavia,
há que se salientar que um tal entendimento levaria a tornar desprotegida uma outra
garantia constitucional que é a legalidade penal. Na prática, se aceito pelo plenário do
Pretório Excelso, o parecer da PGR instituiria uma possibilidade do judiciário atuar como
legislador penal, o que não parece algo razoável para um Estado Constitucional.
De todo modo, a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal
conferiu, ainda que implicitamente, validade à ideia da proibição deficiente em ao menos
uma possibilidade ligada ao direito penal, no julgamento da ADI 4.244 em que foram
discutidos dispositivos da Lei Maria da Penha.
Nos itens a seguir, debateremos brevemente algumas questões que podem ser
aplicadas a este caso e que envolvem a proporcionalidade no sentido da proibição de
proteção deficiente.
Ao final, relataremos um julgado do Superior Tribunal de Justiça que, se não
opera explicitamente com a ideia do dever de proteção e da proibição de proteção
insuficiente, a utiliza como parâmetro de controle e aplicação da lei penal ao caso
concreto.
3.1 Supremo Tribunal Federal: ADI 4.244 e a Interpretação Conforme à Constituição da
Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)
No caso da ADI 4.424, o Supremo Tribunal Federal, por meio de
interpretação conforme a Constituição, alterou o significado do artigo 16 da Lei
11.340/06 Assim fazendo, o Tribunal atribuiu sentido constitucional ao texto para
transformar a Ação Penal que tutelava os crimes previstos naquela lei de condicionada a
representação para incondicionada.
Nesse caso, entendeu o tribunal que havia, na hipótese, descumprimento do
dever de proteção por parte da lei penal especial que, ao diferenciar os crimes cometidos
contra a mulher no ambiente doméstico daqueles a serem processados nos demais casos,
manteve a ação penal condicionada para o processamento da lesão corporal nos crimes
tutelados pela lei.
Assim, para dar total proteção às exigências constitucionais aplicadas ao caso,
o mecanismo hermenêutico da interpretação conforme foi utilizado pelo Pretório Excelso
para dar concretude ao princípio da proporcionalidade, uma vez que, no entendimento da
maioria do Tribunal (vencido Ministro Cesar Peluzo), o legislador protegeu
insuficientemente o bem jurídico tutelado pela lei ao instrumentalizar a tutela penal da
lesão corporal cometida contra a mulher, no ambiente do lar, com a ação condicionada.
Desta forma, para conferir total proteção ao bem jurídico, fez-se necessário impor o
sentido constitucional dando ao artigo 16, convertendo a ação para pública
incondicionada.
Operou-se, portanto, um controle da norma penal a partir de um efeito aditivo
que deu colorido novo à anterior opção legislativa.
3.2. Superior Tribunal de Justiça: Habeas Corpus nº 252.802
No julgamento do Habeas Corpus nº 252.802, a quinta turma firmou o
entendimento em que se aplicava analogicamente a disposição que prevê a extinção da
punibilidade nos casos em que os investigados por crime contra a ordem tributária quitam
o débito com o fisco antes do recebimento da denúncia (artigo 34 da Lei nº 9.249/95), a
um caso de furto de energia elétrica no qual houve acordo com a concessionária de
energia, com o ressarcimento do prejuízo antes que a denúncia fosse oferecida (que, nos
termos do art. 16 do Código Penal, levaria apenas uma diminuição da pena de 1/6 a 2/3).
Nossa intenção, nesse particular, é descobrir aqui a relação que essa decisão possui com
a proporcionalidade.
Essa interpretação, que aproximava o caso do furto com aquele observado
nos crimes contra a ordem tributária tem origem em pareceres exarados pelo então
procurador de justiça do Rio Grande do Sul, Lenio Luiz Streck. Posteriormente, também
o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro passou a acolher tal entendimento.
Na fórmula desenvolvida por Streck, o argumento começa com um
descumprimento, por parte do legislador penal, do mandado de penalização derivado da
proteção constitucional do erário. Haveria, aqui, uma proteção deficiente do bem jurídico
mencionado.
Sobre isso, já se manifestou o autor em outros textos no seguinte sentido:
Isto significa dizer que, quando o legislador não realiza essa proteção via direito penal, é
cabível a utilização da cláusula “proibição de proteção deficiente” (Untermassverbot). (...)
Ou isto, ou teríamos que considerar intocável, por exemplo, um dispositivo legal que viesse
a descriminalizar a corrupção, a lavagem de dinheiro, os crimes fiscais (de certo modo isto
já ocorre, desde a Lei 9.249, confirmada agora pela Lei 10.684), os crimes sexuais (estupro
e atentado violento ao pudor) em face do casamento (sic) da ví
tima com terceira pessoa (art.
107, VIII, do Código Penal), tudo em nome do princípio da legalidade, como se a vigência
de um texto jurídico implicasse, automaticamente, a sua validade, problemática que,
paradoxalmente, em determinadas situações, coloca na mesma trincheira penalistas de
orientação dogmática e acentuadamente defensores de um liberalismo exacerbado. (37)
Todavia, como não é possível ao judiciário impor ao acusado uma situação mais gravosa do que aquela conferida pela lei sendo, inclusive, vedada a analogia
prejudicial ao réu, a operação dogmática cabível seria, ao menos, estender o benefício
concedido pelo legislador àqueles que cometem crimes contra a ordem tributária, àqueles
que incidem no tipo de furto ou outros delitos contra o patrimônio praticados sem
violência ou grave ameaça. Do contrário, estaríamos diante de um tratamento
desproporcional em sentido estrito com relação a bens jurídicos de mesma categoria
constitucional. Assim, inclusive por questões derivadas do princípio da isonomia, seria
necessário estender a extinção da punibilidade para outros crimes contra o patrimônio
cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.
No caso apreciado pelo STJ, ficou assentado no voto do relator, o ministro
Jorge Mussi o seguinte:
Entretanto, uma detida análise sobre o tema, que versa sobre delito patrimonial praticado em
detrimento de concessionária de serviço público, exige que a prestação jurisdicional seja
assemelhada àquela conferida aos delitos praticados contra a ordem tributária.
Com efeito, embora o valor estipulado como contraprestação de serviços públicos essenciais
- como a energia elétrica e a água, por exemplo - não seja tributo, possui ele a natureza
jurídica de preço público, já que cobrado por concessionárias de serviços públicos, as quais
se assemelham aos próprios entes públicos concedentes.
Ora, se o pagamento do tributo antes do oferecimento da denúncia enseja a extinção da
punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, o mesmo entendimento deve ser adotado
quando há o pagamento do preço público referente à energia elétrica subtraída, sob pena de violação ao princípio da isonomia.
Assim, plenamente possível a aplicação, ao crime de furto de energia elétrica, das disposições
contidas na Lei 9.249⁄1995 e na Lei 10.684⁄2003, que prevêem a extinção da punibilidade
nos crimes contra a ordem tributária quando há o pagamento do débito fiscal.
No caso dos autos, antes do oferecimento da denúncia a paciente celebrou acordo com a
concessionária de energia elétrica do Estado, parcelando o débito decorrente do furto de
energia elétrica que lhe foi imputado (e-STJ fl. 180), com o seu posterior adimplemento,
circunstância que, como visto, enseja a extinção de sua punibilidade, a exemplo do que ocorre
nos crimes contra a ordem tributária.
Em suma, ainda que não tenha existido expressa menção à proporcionalidade,
não há duvidas de que, na hipótese, existe sua incidência como vetor de controle da
aplicação da lei penal ao caso concreto.
4. Considerações Finais
As presentes reflexões tiveram por objetivo analisar a proporcionalidade e
sua aplicação ao direito penal a partir da ideia de Constituição invasora e de suas
consequências para o controle das normas penais. Nesse sentido, ressaltamos que este
fenômeno acaba recebendo maior propulsão em nossa época em face de vivenciarmos um
período em que as ideias de força normativa da Constituição e vinculação dos direitos
fundamentais se apresentam, praticamente, como unanimidades.
Assim, é certo que o controle das normas penais lesivas a direitos
fundamentais será efetuado tendo como parâmetro a ideia de proporcionalidade.
Para condensar os resultados atingidos por esta investigação, podemos
elencar os seguintes pontos, a título de considerações finais.
I. Embora seja quase intuitiva a existência de uma diferença entre
proporcionalidade e razoabilidade, uma resposta clara acerca de tal distinção é difícil de
ser encontrada no direito brasileiro.
II. Todavia, é possível dizer que existe um distinção passível de ser verificada
em ao menos dois níveis: o primeiro, no que tange à origem histórica de cada um desses
mecanismos jurídicos; o segundo, em razão de algo que podemos enunciar como “grau
de desenvolvimento analítico”.
III.No que tange à origem, têm-se que sendo que a razoabilidade seria oriunda
da experiência anglo-saxã e a proporcionalidade, por seu turno, da tradição germânica. Já
no tocante ao grau de desenvolvimento analítico, a razoabilidade manifesta-se como mera
pauta geral que recomenda o afastamento de leis injustificadas ou irrazoáveis, segundo o
sistema de direitos fundamentais, ao passo que a proporcionalidade representaria uma
técnica decantada pelo Tribunal Constitucional alemão que exigiria do intérprete uma
análise pormenorizada, a cada caso, de três elementos: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito.
IV. Existe, portanto, uma diferença estrutural entre a exigência da
razoabilidade e o juízo de ponderação. De algum modo, este último pretende-se mais
rigoroso do ponto de vista técnico, na medida em que estabelece um procedimento de
verificação para validar o juiz substantivo realizado pelo órgão judicante para afastar atos
normativos que se apresentariam como lesivos a direitos fundamentais.
V. Essa construção da ideia de proporcionalidade é permeada pela
experiência do Tribunal Constitucional Federal alemão, em diversas oportunidades (38) ,
firmou a concepção de que a Lei Fundamental se assenta em uma ordem plural de valores
guarnecidos pelos princípios constitucionais. Esse movimento é conhecido,
metodologicamente, como Jurisprudência dos valores. Tais valores, por serem plurais, no
mais das vezes, encontram-se em rota de colisão. Vale dizer, as circunstâncias concretas
sob as quais se assenta o caso a ser decidido pode fazer com que dois valores, igualmente
amparados por princípios constitucionais, estejam agindo como forças opostas para
solução do caso. Assim, é necessário que haja um procedimento para apurar qual deles
possui mais força para reger a relação estabelecida naquele dado caso. Esse procedimento
é a chamada ponderação que o tribunal afere segundo critérios de proporcionalidade.
VI. Tanto a jurisprudência dos valores quanto os critérios da
ponderação para resolver eventuais colisões de direitos fundamentais são criticados por
favorecer algum tipo de ativismo judicial, levando-se a uma simples troca: do arbítrio do
congresso para o jurisdicional. Esse debate fica prejudicado no Brasil, uma vez que ainda
não observamos uma recepção crítica adequada das ideias de ativismo,
sopesamento/ponderação e da Jurisprudência dos valores.
VII. Por outro lado, existe uma dificuldade conceitual no interior do
pensamento jurídico brasileiro no que tange a determinar o estatuto teórico da
proporcionalidade: seria ela regra ou princípio? Para responder essa questão, em primeiro
lugar, determinamos em que sentido seria lícito falar aqui em princípio, apresentando uma
breve terapia conceitual que distingue pelo menos três sentidos em que o termo princípio
é empregado pelos juristas: a) princípios gerais do direito; b) princípios jurídicoepistemológicos;
c) Princípios Constitucionais.
VIII. Determinamos que, para colocação correta do problema, a
proporcionalidade deveria ser tratada dentro da esfera temática reservado aos princípios
constitucionais.
IX. Neste caso, como vimos, há que se observar o tipo de distinção que
se faz entre regras em princípios para que se tenha claro o papel desempenhado por um e
por outro no momento da concretização do direito.
X. Concluímos que, para ser coerente com o autor que mais de perto tratou
do problema da proporcionalidade – Robert Alexy – esta deveria ser aplicada como uma
regra que se manifesta como uma máxima e que comporta as três submáximas:
Adequação; Necessidade; Proporcionalidade em sentido estrito.
XI. Por fim, demonstramos que a jurisprudência recente do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça tem admitido o uso da
proporcionalidade também para dar vasão ao controle dos deveres de proteção, naquela
dimensão da regra conhecida como “proibição de proteção deficiente”.
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(1) De fato, é importante considerar que – embora existam elementos tipológicos que podem ser encontrados nas mais variadas experiências constitucionais – o constitucionalismo é um movimento multifacetado que tem raízes profundas nas experiências culturais de cada povo. No caso retratado no texto, é nítido que, enquanto a Europa explorava o significado político das estratégias de limitação de poder, nos EUA, houve um acentuado grau de juridicidade na construção de seu movimento constitucional. Tanto isso é assim que a absoluta maioria da literatura americana sobre história das instituições jurídicas, direito constitucional e judicial review relata experiência e debates que problematizavam a interpretação de direitos fundamentais – chamados por lá de “direitos abstratos” – já no século XIX. Com efeito, de lá para cá, o constitucionalismo estadunidense produziu uma considerável bibliografia sobre como foram julgados esses casos em que se discutia a aplicação dos direitos fundamentais, sendo que hoje o foco de análise se dá em torno da delimitação das experiências ativistas da Suprema Corte ao longo da história, bem como na identificação da construção de argumentos de limitação do poder de revisão da corte, conhecido como judicial selfrestraint. É isso que está indicado no texto de Christopher Wolfe, 1994. Para uma identificação precisa do caráter jurídico do constitucionalismo norte-americano, também Cf. MURPHY. In: LEVY.; KARST; MAHONEY (Orgs.), 1990, p. 54-7. Igualmente importante é o trabalho de TRIBE, 2008. Numa posição distinta sobre o papel do judiciário na realização da interpretação da constituição, ver: ELY, 2002. Em todas as obras citadas, há um número significativo de referências a casos julgados pela Suprema Corte, nos quais a interpretação da constituição implicava a aplicação direta de direitos fundamentais (para o bem e para o mal). Independentemente, o fato é que – em última análise – os autores acima citados corroboram a afirmação de que o problema da força normativa da Constituição se apresenta no contexto estadunidense desde a afirmação da judicial review.
(2) Neste contexto, importante trazer à colação as considerações de Santiago Nino que, a respeito a dogmática jurídica, assevera o seguinte: “são notáveis as diferenças que permeiam a investigação realizada pelos juristas dos países do common law e a desenvolvida pelos estudiosos do direito do sistema continental europeu. (...) Também há grandes diferenças entre as investigações jurídicas realizadas nos diversos ramos do direito; por exemplo, as efetuadas pelos civilistas e as executadas pelos especialistas do direito político. (...) A dogmática jurídica é típica dos países em que predomina o direito legislado – os do continente europeu e os hispanos-americanos, entre outros -, não tendo sido difundida, por outro lado, no âmbito do common law. (...) Por fim, as características da dogmática jurídica ocorrem plenamente nas investigações sobre alguns ramos jurídicos, por exemplo, o direito penal e o direito civil, apresentando-se muito mais atenuadas em outras matérias, como, por exemplo, o direito constitucional” (SANTIAGO NINO, 2010, p. 378). Percebe-se, pois, pelas palavras do mestre argentino, que as disciplinas de maior enraizamento e desenvolvimento histórico – como é o caso do direito civil e do direito penal – desenvolveram uma estrutura mais fechada no que tange ao saber dogmático, ao passo que, disciplinas como o direito constitucional, permanecem ainda abertas neste aspecto. O que pretendemos demonstrar ao longo deste artigo passa pela compreensão de que a invasão constitucional reivindicada no atual contexto histórico acaba por criar poros ou fissuras nas tradicionais estruturas dogmáticas, levando a um aumento da complexidade das questões enfrentadas por cada uma desses disciplinas o que acaba por reivindicar renovados instrumentos de análise e solução de problemas. Esse o caso, entre outros, da proporcionalidade.
(3) Sobre o assunto, Cf. (Neo)constitucionalismo: ontem, os códigos; hoje, as Constituições. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, n. 2, 2004.
(4) A expressão de Jorge Miranda é mencionada em STRECK, 2004, p. 216 e segs.
(5) Cf. HESSE, 1991.
(6) GUASTINI, 2005, p. 49.
(7) Posição adotada, entre outros, por Luís Roberto Barroso, Cf. SILVA, Ano 2002, p. 28.
(8) Nesse sentido, consultar, também GUERRA FILHO, 2001: 268-283.
(9) SILVA, 2002. p. 30.
(10) De se consignar que o exame da proporcionalidade pressupõem que o intérprete percorra três etapas específicas antes de afastar um ato normativo tido como lesivo aos direitos fundamentais. Trata-se da Adequação, Necessidade e Proporcionalidade em Sentido Estrito. Em termos gerais, a Adequação procurar responder a duas perguntas: o fim perseguido pela norma é legítimo, possui fundamento constitucional? Sendo legítimo o fim, o meio adotado pelo Estado para sua realização é adequado? Por outro lado, a Necessidade procura esclarecer se o meio escolhido pelo Estado é o menos gravoso (com relação ao sistema constitucional de direitos fundamentais) para o atingimento da finalidade pretendida. Por fim, a Proporcionalidade em Sentido Estrito sindica se o grau de realização do direito ou interesse encampado pela finalidade é maior do que a restrição que se pretende efetuar em outros direitos e interesses. Na interpretação oferecida por SARMENTO e SOUZA NETO, 2012, tratar-se-ia de uma análise pautada em uma relação custo-benefício, “realizada não sob uma perspectiva estritamente econômica, mas tendo como pauta o sistema constitucional de valores” (Sobre o tema, conferir também BRANCO, 2012, p. 86, bem como a obra organizada por SARLET; DUART e BRANDÃO, 2013. Para uma leitura crítica da ideia de proporcionalidade e ponderação, Cf. a densa tese de MORAIS, 2013.
(11) FELDENS, 2005, p. 191.
(12) FELDENS, op., cit., p. 193.
(13) A expressão é de Jorge Miranda e é mencionada em STRECK, 2004, p. 216 e segs.
(14) Cf. HESSE, 1991, passim.
(15) Como referência, podemos citar: BverfGE 7, 198; BverfGE 7, 377; BverfGE 35, 202; BverfGE 41, 251. Importante referir que todos os casos aqui citados são amplamente discutidos em livros já traduzidos para o português. Eles podem ser facilmente encontrados em LARENZ, 2009, p. 576-579; ou em ALEXY, 2008, passim.
(16) Nesse sentido, JESTAEDT, 2008, pp. 255 e segs.
17 Para maiores informações sobre a discussão norte-americana acerca do chamado “ativismo judicial”, Cf. WOLFE, 1994. A crítica de Habermas mencionada no texto pode ser lida nos dois volumes de seu Direito e Democracia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
(18) Cf. ALEXY, 2008, pp. 164 e segs.
(19) Cf. JESTAEDT, 2008, pp. 255 e segs.
(20) Essa critica aparece na introdução à 4ª Edição de STRECK, 2011, pp. 47 e segs.
(21) Por todos, Cf. BARROSO e BARCELLOS, 2005.
(22) STRECK, 2011, pp. 48 e segs.
(23) Por todos, Cf. COSTA, 1992.
(24) Nesse sentido são as críticas de Friedrich Müller: “Tal procedimento (a ponderação) não satisfaz as exigências, imperativas no Estado de Direito e nele efetivamente satisfatíveis, a uma formação da decisão e representação da fundamentação, controlável em termos de objetividade da ciência jurídica no quadro da concretização da constituição e do ordenamento jurídico infraconstitucional. O teor material normativo de prescrições de direitos fundamentais e de outras prescrições constitucionais é cumprido muito mais e de forma mais condizente com o Estado de Direito com ajuda dos pontos de vista hermenêutica e metodicamente diferenciadores e estruturante da análise do âmbito da norma e com uma formulação substancialmente mais precisa dos elementos de concretização do processo prático de geração do direito, a ser efetuada, do que com representações necessariamente formais de ponderação, que conseqüentemente insinuam no fundo uma reserva de juízo (Urteilsvirbehalt) em todas as normas constitucionais, do que com categorias de valores, sistema de valores e valoração, necessariamente vagas e conducentes a insinuações ideológicas”. MÜLLER, 2000, p. 36.
(25) Cf. TOMAZ DE OLIVEIRA, 2008, passim; TOMAZ DE OLIVEIRA; ABBOUD; CARNIO, 2014, item 8.5.
(26) Cf. BANDEIRA DE MELO, 2011, passim.
(27) Por todos, Cf. ALEXY, op., cit., em especial capítulo I.
(28) Cf. NEVES, 2013, passim.
(29) Cf. DWORKIN, 2002, modelos de regras I e II; STRECK, 2011, passim.
(30) Nesse aspecto, seguimos os passos metodológicos da História dos Conceitos, notadamente no desenvolvimento que lhe dá KOSELLECK, 2006, PP. 305 e segs .na construção de sua “semântica dos tempos históricos”..
(31) Frisa-se que a tese do grau de abstração e da generalidade é defendida por autores importantes para o constitucionalismo brasileiro como é o caso de Gomes Canotilho. Com efeito, o mestre português opera com um conceito de princípio que se determina a partir do grau de abstração e, assim se diferenciariam das regras, em que o grau de abstração seria relativamente reduzido. Isso faz com que também Canotilho caia nas armadilhas da filosofia da consciência e continue afirmando o poder discricionário do juiz solipsista. Nas palavras do autor: “os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta” (CANOTILHO, 2000, p. 1124). De se asseverar que a tese de Canotilho é amplamente reproduzida pela dogmática jurídica brasileira. Autores como José Afonso da Silva, Ruy Samuel Spindola, Luis Virgílio Dalla-rosa, acentuam o caráter de abstração e generalidade dos princípios como determinante para sua conceituação e para efetuar a diferença com relação às regras. Não rara das vezes, a tese da abstração é aproximada, de forma não muito rigorosa, com a classificação alexyana em que o conceito de princípios aparecem como mandados de otimização. Em comum, ambas as perspectivas comungam o fato de atribuírem alguma margem de discricionariedade para o juiz, o que é colocado em questão quando procuramos tratar os princípios da forma proposta neste trabalho.
(32) ALEXY. 2008, p. 117.
(33) Cf. STRECK, 2004.
(34) Cf. STRECK, 2009, passim.
(35) Cf. FELDENS, op., cit., passim.
(36) FELDENS, op., cit., p. 72.
(37) STRECK, 2004, passim.
(38) Como referência, podemos citar: BverfGE 7, 198; BverfGE 7, 377; BverfGE 35, 202; BverfGE 41, 251. Importante referir que todos os casos aqui citados são amplamente discutidos em livros já traduzidos para o português. Eles podem ser facilmente encontrados em LARENZ, 2009, p. 576-579; ou em ALEXY, , 2008, passim.
(*) Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra. Doutor em Direito Processual Penal pela PUCSP. Coordenador do Programa de Mestrado em Direito da UNAERP. Professor Doutor junto ao Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP). Promotor de Justiça MP/SP.
(**) Doutor em Direito Público pela UNISINOS-RS. Professor do Programa de Mestrado em Direito da UNAERP. Advogado OAB/SP.
FONTE: https://www.academia.edu/20144959/DIREITO_PENAL_E_PROPORCIONALIDADE_ANOTACOES_SOBRE_O_CARATER_INVASOR_DA_CONSTITUICAO_NO_CONTROLE_DAS_NORMAS_PENAIS?auto=view&campaign=weekly_digest