domingo, 20 de outubro de 2013

LANÇAMENTO DA OBRA DIREITO PENAL DE PAULO CÉSAR BUSATO


“Direito Penal": nova obra de Paulo Cesar Busato concentra conteúdo ampliado e inovador sob perspectiva crítica e contemporânea

O Procurador de Justiça (MP-PR), Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e também membro do GNMP (Grupo Nacional de Membros do Ministério Público – www.gnmp.com.br), Paulo Cesar Busato, recentemente lançou novo livro denominado “Direito Penal” (Editora Atlas, 2013) agrupando e acrescentando escritos sobre dogmática penal. 
Segundo o autor, dentre as pretensões, a obra resume as principais estruturas gerais de sua concepção sobre direito penal, com a marca da filosofia da linguagem aplicada, o uso de um modelo significativo para o direito penal originário de Vives Antón e George Fletcher, respeitando-se a perspectiva crítica na importação de teorias, tudo com o devido ajuste à realidade jurídica brasileira.
No livro, de conteúdo altamente diferenciado e atualizado, é possível encontrar dos fundamementos estruturantes da teoria do delito tradicionais a teorias e proposições inovadoras no âmbito de diversos temas jurídico-penais (conceitos de ação, dolo normativo, compreensão das justificantes e exculpantes pela ideia de permissões fortes e fracas, aspectos integrativos da teoria da pena com foco na punibilidade e fundamento no controle social do intolerável, proposta “de lege ferenda” de unificação para teoria do erro, opção e aprofundamento de análise sobre a teoria do domínio do fato etc).
O sumário da obra é composta de 21 partes assim divididas (1. Direito Penal – natureza e conteúdo; 2. Limites do Controle Social Penal. 3. Limitações da aplicação da lei penal; 4. Hermenêutica jurídico-penal. As fontes do direito penal. A norma penal e sua interpretação; 5. Pressupostos estruturais da teoria do delito – As pretensões de validade da norma penal; 6. A dimensão formal da pretensão de relevância – Tipo de ação ou pretensão conceitual de relevância; 7. A dimensão material da pretensão de relevância – Pretensão de ofensividade; 8. A preensão subjetiva de ilicitude – o dolo e a imprudência; 9. A pretensão objetiva de ilicitude – Instâncias normativas permissivas; 10. A pretensão de reprovação – culpabilidade; 11. A necessidade da pena – Pretensão de punibilidade; 12. A teoria do erro; 13. A tentativa do delito; 14. Os sujeitos do delito – autoria e participação; 15. Fundamentos discursivos do castigo; 16. As modalidades de pena no direito brasileiro; 17. As medidas de segurança; 18. A individualização da pena; 19. O concurso de crimes; 20. Os substitutivos penais; 21. Ação penal e conseqüências jurídicas da condenação.
O livro certamente constitui marco e referência para o estudo das novas e modernas tendências do direito penal, tema que, aliás, dá nome ao grupo de estudo coordenado pelo autor (maiores informações: contato@sistemacriminal.org).
Cumprindo com seu objetivo de contribuir para aprimoramento e aperfeiçoamento científico permanente dos membros do Ministério Público brasileiro, o GNMP informa que celebrou parceria para a comercialização promocional da obra entre os membros interessados, conforme divulgado na lista de emails dos membros. Maiores informações: contato@gnmp.com.br.
Boa leitura!

sábado, 19 de outubro de 2013

ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA CRIMINAIS: NECESSIDADE DE RELEITURA DOS INSTITUTOS DIANTE DOS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO PENAL


Inúmeros trabalhos apresentados no último CONPEDI que formam o Livro Direito Penal e Criminologia constante do site do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (http://www.publicadireito.com.br/publicacao/unicuritiba/livro.php?gt=15), onde consta artigo nosso em coautoria com o Prof. Dr. Sebastião Sérgio da Silveira, intitulado ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA CRIMINAIS: NECESSIDADE DE RELEITURA DOS INSTITUTOS DIANTE DOS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO PENAL, artigo indicado pelo programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP.

RESUMO:
Os antecedentes criminais são utilizados pelo Juiz para majoração da pena-base, na primeira fase do processo trifásico da fixação da pena. Tal é feito de forma automática, sempre que a condenação não é considerada para fins de reincidência. Da mesma forma, não existe limite temporal para a aplicação de tal circunstância judicial. A falta da fixação de um tempo para a eficácia da circunstância viola diversos princípios da Constituição e do Direito Penal. Da mesma forma, a reincidência é utilizada como agravante genérica, também de forma automática, sem que o Estado cumpra o seu dever de ressocialização dos condenados e assistência ao egresso. Esse comportamento provoca uma assimetria legal e constitucional. Em atenção aos novos parâmetros do Direito Penal, é necessária a releitura dos dispositivos da lei penal que disciplinam o instituto, como forma de adequá-los aos paradigmas atuais do Direito Penal.


terça-feira, 8 de outubro de 2013

IMPEDIR OU EMBARAÇAR INVESTIGAÇÃO CRIMINAL


* Foto: Cezar Roberto Bitencourt

IMPEDIR OU EMBARAÇAR INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.

1. Bem jurídico tutelado

Bem jurídico protegido é a Administração da Justiça, ou, mais especificamente, protege-se a sua respeitabilidade, bem como a sua integridade, buscando assegurar a regularidade de seu funcionamento. Tutela-se o interesse de que a justiça não seja obstada ou desvirtuada por qualquer fator estranho ao seu desenvolvimento válido e regular, sem embaraços ou protelações indevidas e ilegítimas das investigações criminais. Protege-se, igualmente, a respeitabilidade e a integridade das investigações criminais, assegurando-se seu regular desenvolvimento com a celeridade e normalidade que a segurança pública e a administração da justiça exigem. Não se protege aqui, definitivamente, a indecifrável paz pública, conforme criticamos ao examiná-la relativamente a organização criminosa. Trata-se, repetindo, de um crime contra a administração da Justiça, qual seja, um bem jurídico distinto da paz ou tranquilidade públicas.

2. Sujeitos do crime

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, tenha ou não interesse pessoal na investigação criminal que se encontra em andamento, não sendo exigida nenhuma outra qualidade ou condição especial. Embora, pelas próprias circunstâncias, possa parecer como mais razoável recair a condição de sujeito ativo sobre quem é investigado, isso, no entanto, não é verdadeiro. Com efeito, o investigado não é sujeito ativo deste crime, pois, como tal, tem direito a defender-se, ainda que considerem sua defesa um estorvo ou obstáculo à investigação. Além de seu direito a ampla defesa, também tem o direito de não produzir prova contra si mesmo. 

Eventuais empecilhos que o investigado possa apresentar aos investigadores caracterizará, no mínimo, um post factum impunível. Portanto, membro da organização criminosa que oferecer dificuldades à investigação criminal ou apresentar empecilhos à sua desenvoltura não responderá por este crime, estará exercendo sua ampla defesa e o direito de não se auto-incriminar. Reforça nosso entendimento, o magistério de Andrea Flores, verbis: “Claro que, em se tratando de um integrante da organização criminosa, tais condutas não devem ser punidas. Primeiro porque seria um post factum impunível, valendo-se do Princípio da Consunção e, segundo, por que o agente estaria no exercício do direito de não produzir prova contra si mesmo. Destarte, só há razão de punir com este tipo penal aquele que não integra a organização criminosa, mas, de alguma forma, atrapalha nas investigações, em favor do grupo”.

Sujeito passivo é o Estado, sempre titular do bem jurídico ofendido — a Administração Pública lato sensu, e, mais especificamente, a Administração da Justiça, relativamente ao sentimento de insegurança que se apodera da população quando vê frustrada ou dificultada a investigação criminal.

3. Tipo objetivo: adequação típica

As condutas incriminadas são “impedir” e “embaraçar” investigação de infração penal que envolva organização criminosa: a) impedir dignifica impossibilitar, inviabilizar ou não deixar realizar. Em outros termos, o significado de impedir é vasto, podendo abranger também evitar, bloquear, não deixar prosseguir, ou obstaculizar o prosseguimento de investigação criminal. b) embaraçar significa obstar, estorvar, dificultar, tumultuar, confundir, perturbar ou atrapalhar investigação criminal. Em outros termos, dificultar é criar embaraços, e vice-versa, atrapalhar, fazer exigências difíceis de serem cumpridas, com a finalidade de inviabilizar ou dificultar a investigação. Embaraçar é menos grave que impedir, ou seja, é absorvida pela ação de impedir. A ação de embaraçar (dificultar) representa um estágio menos avançado que a ação de impedir, aliás, são condutas progressivas. Esta última equivale ao impedimento absoluto da investigação criminal. Na realidade, há uma certa redundância entre os verbos nucleares “embaraçar” e “impedir”, o que indica, por si só, que apenas um deles seria suficiente para tutelar o bem jurídico que se pretende preservar. Aliás, redundância tem sido uma característica altamente negativa de muitos diploma legais, a qual, é bom que se diga, foi inaugurada pela antiga Lei de Drogas, já revogada sem deixar saudades.

O legislador, por fim, não indica os meios ou formas pelas quais o sujeito ativo pode impedir ou embaraçar investigação criminal, ficando em aberto a um universo incalculável de possibilidades, que somente a casuística poderá nos indicar. Trata-se, por conseguinte, de crime de forma livre, podendo ser praticado por qualquer meio escolhido pelo agente. Enfim, o objeto material desta infração penal é a investigação de infração penal que envolva organização criminosa, que não pode ter como sujeito ativo o próprio investigado. Certamente, não se pode pretender restringir os direitos constitucionais da ampla defesa, de não produzir prova contra si mesmo e de não se auto-incriminar.

Trata-se de um tipo penal excessivamente aberto, vago e impreciso, ensejando dúvidas exegéticas. Indiscutivelmente essa descrição típica é extremamente aberta e gera absoluta insegurança sobre quais seriam os atos ou procedimentos que poderiam representar, por exemplo, embaraço à investigação criminal, gerando perplexidade no intérprete. Pode-se perguntar, afinal, exercer a defesa pode representar algum embaraço à investigação criminal capaz de tipificar esse crime? O que se poderá fazer para defender-se sem correr o risco de ser interpretado como tentativa de impedir ou embaraçar a investigação de infração penal?
O texto legal não acrescentou o advérbio “indevidamente”, mas poderia tê-lo feito, pois poderá, eventualmente, ocorrer circunstâncias especiais que autorizem, legitimem ou justifiquem que se impeça o andamento de investigação criminal, ou mesmo retardá-la, devidamente. No entanto, a ausência dessa elementar normativa não impede que se reconheça a existência de circunstâncias especiais que legitimem a obstaculização de investigação criminal, inclusive como exercício de defesa legítima de seu autor.

3.1. Elementares implícitas ou exercício regular de direito

Com uma simples leitura despretensiosa do § 1º do art. 2º, sub examine, constata-se, de plano, que se trata de tipo objetivo, isto é, despido de elemento normativo especial ou mesmo de elemento subjetivo constitutivos do tipo. No entanto, fatos, circunstâncias ou mesmo peculiaridades do caso poderão, ainda que excepcionalmente, autorizar ou justificar a interrupção ou suspensão de qualquer investigação criminal. Dito de outra forma, nada impede que, eventualmente, possa haver justa causa para a interrupção ou suspensão do andamento do procedimento investigatório criminal, e, consequentemente, possa afastar, legitimamente, essa proibição legal.

No entanto, na nossa concepção, referido dispositivo contém, implicitamente, o elemento normativo ‘sem justa causa’ ou ‘indevidamente’ quanto a impedir e embaraçar, porque há situações em que o impedimento ou perturbação são não apenas legítimos, mas necessários, como, por exemplo, a utilização de qualquer outra medida cautelar para suspender, interromper (impedir) ou anular investigação criminal em curso, que se mostre abusiva, injustificada ou indevida. Em hipóteses semelhantes o elemento normativo – sem justa causa ou indevidamente - integra-se ao subjetivo, porque a utilização de medida judicial impeditiva ou perturbadora de uma investigação criminal representa não mais que exercício regular de direito, qual seja, o de defender-se legitimamente. Certamente, o dispositivo legal, que ora examinamos, não tem a pretensão de proibir o exercício regular de direito de qualquer cidadão, mesmo investigado.

Com efeito, o acesso ao Judiciário e o direito de defesa são constitucionalmente assegurados ao cidadão. A procedência ou improcedência de determinada demanda judicial, mesmo defensiva, é da natureza do processo, e o eventual insucesso da demanda não torna, por si só, ilegítimo o direito de postular, ainda que resulte, afinal, improcedente. Em outros termos, quem promove alguma medida judicial o faz no exercício de um direito (direito de ação e direito de defesa), não se podendo, por isso, atribuir-lhe a conotação de impedir ou embaraçar, indevidamente, investigação criminal, que é o sentido do texto penal. Na verdade, o impedir ou “embaraçar” tem efetivamente o significado de fazê-lo sem justa causa, isto é, indevidamente, não apenas quanto ao mérito, mas também e, principalmente, quanto ao modus operandi, que reflete em si mesmo um significado perturbador, desarrazoado, desrespeitoso, injusto e abusivo. Enfim, à ação do Estado (Leviatan) está sempre sujeito à reação individual ou coletiva de quem se sentir lesado.

Na realidade, acreditamos que na hipótese de alguém impedir (ou tentar impedir) ou perturbar (embaraçar) o andamento de determinada investigação criminal através de alguma medida judicial estará no exercício legal de um direito, o direito de ação ou direito de defesa (que deve ser ampla e irrestrita) e, certamente, quem exerce regularmente um direito não comete crime, não viola a ordem jurídica, nem no âmbito civil, e muito menos no âmbito penal. De notar-se que o exercício de qualquer direito, para que não seja ilegal, deve ser regular. O exercício de um direito, desde que regular, não pode ser, ao mesmo tempo, proibido pela ordem jurídica. Regular será o exercício que se contiver nos limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios fins do Direito. Fora desses limites, haverá o abuso de direito e estará, portanto, excluída essa justificação. O exercício regular de um direito jamais poderá ser antijurídico. Qualquer direito, público ou privado, penal ou extrapenal, regularmente exercido, afasta a antijuridicidade. Mas o exercício deve ser regular, isto é, deve obedecer a todos os requisitos objetivos exigidos pela ordem jurídica.

Questão interessante que se pode examinar, neste tópico, é sobre a possibilidade de eventual existência de excesso no exercício desse direito, e de esse excesso constituir ou não o crime que ora se examina. Mas Dever-se-á examinar se referido excesso decorreu de erro, que pode ser de tipo ou de proibição.

3.2. Omissão do texto legal: interpretação versus analogia

A conduta incriminada neste § 1º do art. 2º abrange somente a fase investigatória do procedimento criminal que envolva organização criminosa, nos estritos termos do tipo penal, que criminaliza as condutas de impedir ou embaraçar “a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. A terminologia do direito penal e, particularmente, do processo penal são precisas e conhecidas de todos os operadores especializados, isto é, têm sentido e significado próprios. “Investigação criminal” ou “investigação de infração penal” têm significado específico e limitado, referindo-se à fase pré-processual, isto é, à fase preliminar, puramente administrativa, anterior ao processo penal ou judicial propriamente dito. Quando o legislador quer dar-lhe abrangência maior usa outros termos, tais como, processo judicial, processo criminal, fase processual ou simplesmente processo, como ocorre, por exemplo, no crime “coação no curso do processo” (art. 344 do CP). Pois nesse dispositivo do Código Penal, o legislador refere-se expressamente a “processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral”. Mais claro impossível, exatamente como exige o princípio de legalidade estrita.

Constata-se, na verdade, que o texto do § 1º do art. 2º da Lei 12.850 não abrange a denominada fase processual, isto é, o chamado processo judicial, cuja denúncia (peça inicial) baseia-se exatamente nos elementos coletados pela “investigação criminal” que o dispositivo sub examine visa proteger. O processo judicial ou fase processual propriamente, que não foi abrangido por esse tipo penal, têm outros mecanismos de proteção e controle amparados pelo Poder Jurisdicional, e sob o manto do devido processo legal.

Definitivamente, esse § 1º não abrange o “processo judicial”, ele não consta dessa proteção penal, não é alcançado pelas condutas que incrimina. Dito de outra forma, as mesmas condutas descritas no referido dispositivo cometidas durante o processo judicial são atípicas segundo sua descrição. Coerente, nesse sentido, é a manifestação de Andréa Flores: “Falhou o legislador ao não prever como crime a conduta praticada na fase processual. Em atenção ao Princípio da Legalidade, não poderemos utilizar da analogia in malan partem para suprimir tal lacuna” .

A omissão da criminalização de “obstrução de processo criminal judicial não escapou à perspicácia de Rogério Sanches e Ronaldo Batista Pinto, que, no entanto, destacaram: “Lamentavelmente o legislador omitiu a obstrução do processo judicial correspondente, lacuna que, para alguns, não pode ser suprida pelo intérprete, sob pena de incorrer em grave violação ao princípio da legalidade. Ousamos discordar. A interpretação literal deve ser acompanhada da interpretação racional possível (teleológica), até o limite permitido pelo Estado humanista – legal, constitucional e internacional – de Direito. De que modo podemos admitir ser crime a obstrução da investigação (fase preliminar da persecução penal) e atípico o embaraço do processo penal dela derivado (fase principal da persecução)? O operador de Direito, em casos tais, deve-se valer da interpretação extensiva (que não se confunde com a analogia)” . 

O texto bem construído pelos autores citados é, venia concessa, contraditório em si mesmo: afirma premissas verdadeiras, mas conclui com assertivas não verdadeiras. Com efeito, embora falem em “interpretação extensiva” estão sustentando, a rigor, a aplicação de analogia, pois como reconhecem, “o legislador omitiu a obstrução do processo judicial correspondente, lacuna que, para alguns, não pode ser suprida pelo intérprete” (grifamos). Referidos autores, a despeito do brilho que os caracteriza, foram traídos pelo próprio subconsciente, quando afirmam: “lacuna que, para alguns, não pode ser suprida pelo intérprete...”. Efetivamente, omissão na lei repressora constitui lacuna, no entanto, lacuna não se resolve com interpretação, mas com integração, com colmatação. Com a analogia procura-se aplicar determinado preceito ou mesmo os próprios princípios gerais do direito a uma hipótese não contemplada no texto legal, isto é, com ela busca-se colmatar uma lacuna da lei, como é o caso presente. “Na verdade – como tivemos oportunidade de afirmar – a analogia não é um meio de interpretação, mas de integração do sistema jurídico. Nessa hipótese, não há um texto de lei obscuro ou incerto cujo sentido exato se procure esclarecer. Há, com efeito, a ausência de lei que discipline especificamente essa situação” .

Dito de outra forma, lacunas na lei penal incriminadora não podem ser “supridas” por interpretações analógicas ou extensivas, pois interpretações, de qualquer natureza não suprem “lacunas”, apenas buscam encontrar o melhor sentido do texto legal, o que, convenhamos não é o caso. Interpretar é descobrir o real sentido e o verdadeiro alcance da norma jurídica, e, nessa operação, não se inclui a possibilidade de suprir lacunas. “A interpretação não pode em hipótese alguma desvincular-se do ordenamento jurídico e do contexto histórico-cultural no qual está inserido. Não pode, por conseguinte, divorciar-se da concepção de Estado, no caso brasileiro, Estado Democrático de Direito...” . Lacunas, venia concessa, não são “interpretadas”, mas colmatadas, e o direito penal material jamais poderá admitir a complementação de normas penais repressivas, como pretendem os insignes autores. Aliás, normas penais repressivas não admitem sequer interpretação extensiva ou interpretação analógica, como pretendem alguns.

Sintetizando, a finalidade da interpretação é encontrar a “vontade” da lei, ao passo que o objetivo da analogia, contrariamente, é suprir essa “vontade”, o que, convenhamos, só pode ocorrer em circunstâncias carentes de tal vontade. A analogia, na verdade, como pontificava Bettiol , “consiste na extensão de uma norma jurídica de um caso previsto a um caso não previsto com fundamento na semelhança entre os dois casos, porque o princípio informador da norma que deve ser estendida abraça em si também o caso não expressamente nem implicitamente previsto”. Pois bem, essa é a hipótese presente, que, contudo, repetindo, não pode ser aplicada em norma penal criminalizadora, com o devido respeito àqueles que pensam diferente.


* Doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha - Espanha. Professor Convidado de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) da PUCRS, e do Curso de Doutorado em Direito Penal da Universidade Pablo de Olavide de Sevilha - Espanha. Advogado.


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

FORO PRIVATIVO E SUAS INTERMITÊNCIAS



* Foto: Eugenio Pacelli de Oliveira


O foro privativo e suas intermitências (E viva Saramago!)

Esclareço, de início, que a homenagem ao português José Saramago, um dos maiores escritores dos últimos tempos e que já nos deixou, nada tem que ver com o texto. Ao colocar o título acima, lembrei-me do fantástico "As intermitências da morte" e resolvi atribuí-las também aos foros privativos. Apenas isso.



Ao exemplo: no curso de ação penal, após condenação em primeiro e em segundo grau - instâncias ordinárias, pois - o acusado interpõe Resp. Nesse ínterim, assume mandato eletivo de Senador da República. Quem deveria apreciar o recurso? O STJ ou o STF? Turmas ou Plenário?



Como se sabe, a competência por prerrogativa de função não implica a renovação ou repetição do processo junto ao Tribunal competente, nos casos em que já proposta a ação. É dizer, não se anula o processo, se e quando este tiver tido a tramitação antes do fato que determinou a competência por foro privativo. A jurisdição do Tribunal, portanto, assumirá o processo "no estado em que ele se encontrar".



No exemplo dado, pendente Resp já interposto, caberá ao STF apreciar o recurso e não mais ao STJ, na medida em que é daquele (STF) a competência para julgar os senadores nos crimes comuns.



Mas, veja-se bem.



A competência do STF será "recursal" e não mais "originária", diante do adiantado do processo. Assim, caberá a ele apreciar o Resp segundo as determinações constitucionais pertinentes, quanto à admissibilidade e quanto ao exame de mérito. A competência será das Turmas e não do Plenário, segundo o vetusto RI daquela Corte. E a Turma poderá anular o processo, caso em que poderá ter lugar um novo julgamento, aí sim já perante o Plenário da Corte, mas poderá também, apreciando o mérito, dar provimento ou negá-lo, ainda que daí sobrevenha a confirmação da condenação. Não haverá reserva de plenário!! Evidentemente, pois se trata de apreciação de Resp e não de julgamento de ação penal.



E, sim, não serão cabíveis embargos infringentes, no caso de minoria vencida e qualificada (4 votos pela não condenação), pois assim não o prevê o renascido e revigorado art. 333, parágrafo único, do RI.




* Mestre e Doutor em Ciências Penais pela UFMG. Procurador Regional da República.

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