segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

PRISÃO PREVENTIVA DEVE SER A ÚLTIMA CAUTELAR


PARA TEORI, PRISÃO PREVENTIVA DEVE SER A ÚLTIMA CAUTELAR

Não há razão para manter presos em caráter preventivo dois acusados de praticar em 2009 crime de tráfico internacional de animais silvestres. Definindo essa forma de prisão como “a última opção extrema em termos de medida cautelar”, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar liberando um casal que, segundo a Polícia Federal, vendeu uma serpente rara que estava no Zoológico de Niterói (RJ).
O casal foi preso em outubro de 2013 na Operação Lucy in the Sky with Diamonds. Segundo o processo, o réptil foi levado ao zoológico após ser encontrado no Rio de Janeiro, mas desapareceu. A mulher, que era diretora da unidade, disse que o animal havia morrido, sem apresentar prova. Após o sumiço do animal, um criador de cobras norte-americano passou a ostentar na Internet a posse de uma serente em seu país, com características semelhantes às da desaparecida.
Peritos constataram que se tratava do mesmo animal, e a polícia constatou que o americano esteve no Rio de Janeiro em fevereiro de 2007 para ver o animal no Zoonit, saindo do Brasil em janeiro de 2009 pela fronteira de Roraima com a Guiana. Investigações apontaram que a então diretora manteve contatos telefônicos com o estrangeiro e apresentou uma diferença de cerca de R$ 1 milhão entre os rendimentos efetivamente declarados pela acusada à Receita Federal e os valores movimentados em suas contas bancárias. Ainda segundo as investigações, o marido dela participou do crime.
Tanto o Tribunal Regional Federal da 1ª Região como o Superior Tribunal de Justiça indeferiram pedidos de liminar apresentados pela defesa do casal. Ao encaminhar pedido de Habeas Corpus ao STF, a defesa disse que a prisão preventiva foi decretada “de forma absolutamente imotivada”, no caso da ex-diretora, e “apenas com esteio em conjecturas e premissas subjetivas, sem qualquer correspondência com a realidade”, no caso do marido dela.
Na avaliação do ministro Teori Zavascki, embora os fundamentos do decreto de prisão preventiva estejam, genericamente, apoiados em elementos idôneos, pois a restrição da liberdade dos acusados busca evitar a reiteração criminosa e a destruição de provas, tal medida se mostra desnecessária e inadequada ao caso, consideradas as suas peculiaridades. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
HC 120722

FONTERevista Consultor Jurídico, 11 de janeiro de 2014

PRISÃO DEVE SER O ÚLTIMO RECURSO DO ESTADO CONTRA CRIMINALIDADE


PRISÃO DEVE SER O ÚLTIMO RECURSO DO ESTADO CONTRA CRIMINALIDADE

Por Leonardo Isaac Yarochewsky*

Não é de hoje que o caos e as mazelas do sistema carcerário brasileiro são notórios e de conhecimento público, o que por si só dispensa provas. Inúmeros mutirões, censos e forças tarefas já foram realizados para chegar à conclusão sabida por todos: o sistema carcerário brasileiro está falido. Falido, o mesmo que arruinado, arrasado, demolido, desmantelado e etc. Deste modo, é necessário que um novo modelo seja pensado sem as amarras e vícios do atual sistema penitenciário.
No que se refere ao problema da superpopulação carcerária é preciso destacar que entre 1995 e 2005 a população carcerária do Brasil saltou de 148 mil presos para 361.402, um crescimento de 143,91% em uma década. Hoje a população carcerária está em torno de 550 mil presos, 274 presos para cada cem mil habitantes. O Brasil, em números absolutos, possui a 4ª maior população carcerária do planeta, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia. O déficit carcerário está próximo de 250 mil vagas. A situação se agrava com a entrada em média de 3 mil novos presos por mês no sistema carcerário. Aspecto que, também, contribui muito para este caos é o número de presos provisórios, ou seja, que não foram condenados definitivamente por uma sentença transitada em julgado. Infelizmente, as prisões provisórias (prisão temporária, prisão preventiva e etc.) que deveriam ser uma exceção se transformaram em regra em flagrante violação ao princípio constitucional da não culpabilidade ou da presunção de inocência.
Sem pretender justificar, mas tão somente tentar explicar, as situações em que o preso é tratado como animal nocivo e colocado em lugares mórbidos, fétidos e cruéis levam inevitavelmente a reações como as que vêm ocorrendo, por exemplo, em São Luis do Maranhão.
Como bem observa Maria Lúcia Karam “grande parte destes homicídios brutais, entre os próprios presos, nasce da convivência forçada, que faz com que qualquer incidente, qualquer divergência, qualquer desentendimento, qualquer antipatia, qualquer dificuldade de relacionamento, assumam proporções insuportáveis. O desgaste da convivência entre pessoas, que, eventualmente, não se entendam, aqui é inevitável. As pessoas que não se ajustam, os inimigos são obrigados a se ver todos os dias, a ocupar o mesmo espaço, o que, evidentemente, acirra os ânimos, eleva a tensão, exacerba os sentimentos de ódio, levando, muitas vezes, a que um preso mate outro, por motivos aparentemente sem importância” (KARAM, Maria Lúcia. Dos crimes, penas e fantasias)
Não se pode olvidar do caráter fragmentário e subsidiário do direito penal e de que a pena somente deve ser aplicada como ultima ratio, como remédio sancionador extremo. De tal modo, é necessário, cada vez mais, buscar alternativas à falida e exaurida pena privativa de liberdade, reservando esta apenas, e tão somente, para os casos extremos, de ataques a bens jurídicos essenciais à vida e à sociedade. É forçoso que se entenda, de uma ver por todas, que punição não é sinônimo de prisão e que existem inúmeros casos em que esta pode ser substituída por outra pena que não pela ultrapassada pena de privação da liberdade.
Contudo, é comum encontrarmos nas prisões brasileiras pessoas que foram condenadas por crimes de bagatela ou por tráfico de drogas, em razão da má aplicação da lei de drogas que, também, não distingue como deveria o referido crime. Hoje, cerca de 1/5 da população carcerária é de pessoas condenadas por “tráfico” de drogas. Ocorre que a maioria destas pessoas, na verdade, não passam de meros usuários ou pequenos “traficantes” que muitas vezes sem intenção de lucro ou de meio para sua subsistência cedem pequena quantidade de droga a terceiros. Só aí, temos em torno de 40 mil pessoas que poderiam estar cumprindo suas penas fora da prisão.
Nunca é demais advertir que as penas restritivas de direitos apresentam inúmeras vantagens em relação às penas privativas de liberdade, como por exemplo, a redução do alarmante índice de reincidência, cerca de 70% em relação aos que cumprem pena privativa de liberdade e menos de 5% dentre aqueles que tiveram sua pena privativa de liberdade substituída pela pena restritiva de direitos. Isto para não falar dos reconhecidos males da prisão como universidade do crime e fábrica de delinquentes.
E para os que só pensam em economia é bom lembrar que o custo das penas restritivas de direitos para a sociedade é infinitamente menor do que o de manter uma pessoa presa por vários anos.
Repita-se, a prisão deve ser o último recurso do Estado na contenção da criminalidade e, mesmo assim, somente empregada para casos extremados onde não há outro remédio, menos danoso, para o individuo e para a sociedade. Enquanto o Estado e a sociedade não entenderem desta forma, situação como a que ocorreu no estado do Maranhão e que vem se repetindo ao longo dos anos será inevitável.
* Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais

FONTERevista Consultor Jurídico, 11 de janeiro de 2014

domingo, 12 de janeiro de 2014

A ARTE IMITA A VIDA





A ARTE IMITA A VIDA: O PERSONAGEM RAFAEL É PRESO POR TER DADO UM INOCENTE BEIJO EM LINDA!


Cezar Roberto Bitencourt





A novela das 9 horas, procura imitar os equívocos do legislador com a lei 12.015, ignorando os direitos fundamentais, e, principalmente, o direito à sexualidade de pessoas consideradas enfermo ou deficiente mental. O personagem Rafael ao dar um beijo em Linda, tida como autista. Pratica-se, na ficção uma arbitrariedade e um abuso de autoridade, induzidos por uma equivocada interpretação do referido texto legal.

Tratando dessa temática, em nosso Tratado de Direito Penal, comentando o art. 217-A do Código Penal, fizemos os comentários que passamos transcrever abaixo.

TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO DADO PELO LEGISLADOR AO ENFERMO E DEFICIENTE MENTAL

O enfermo e o deficiente mental foram tratados pelo legislador contemporâneo como objetos e não como sujeitos de direitos, ignorando que também têm sentimentos, aspirações, desejos, vontades e direitos, inclusive fundamentais, e que, também por isso, merecem, no mínimo, tratamento igualitário, isto é, similar aos indivíduos ditos “normais”, até porque, como diz o poeta popular, de perto ninguém é normal. Em outros termos, não se pode ignorar que enfermo e deficiente mental também são sujeitos de direitos, particularmente, dos direitos fundamentais que recebem tratamento destacado na Constituição Federal brasileira, dentre os quais se inclui o direito à sexualidade e à própria dignidade sexual.

Da forma como foram tratados pelo legislador, neste Título VI da Parte Especial do Código Penal, que disciplina os crimes contra a dignidade sexual, mais uma vez, o legislador violou a própria dignidade de pessoas diferenciadas, tratando-as indignamente, ao ignorar seus direitos à sexualidade, e, especialmente, ao seu livre exercício, que também é assegurado constitucionalmente; desconheceu que elas, como seres humanos, são portadoras de aspirações e sentimentos próprios de seres dessa natureza, que buscam, dentro de suas limitações, levar uma vida dentro da normalidade possível. Com efeito, em todas as oportunidades em que se refere a enfermos e deficientes mentais, ignora o legislador que eles também podem sentir as mesmas emoções, as mesmas necessidades sexuais que sentem seus demais semelhantes não portadores de tais deficiências, aliás, os próprios animais ditos irracionais também sentem necessidades sexuais e, a seu modo, buscam satisfazê-las. 

A eventual deficiência mental, por certo, embora inspire cuidados especiais, não suprime o atributo da sexualidade, pelo contrário, pode, inclusive, aflorar-lhes com mais intensidade, especialmente pela dificuldade de controlá-la ou de valorá-la contextualmente. Mas esses cuidados especiais não podem e não devem ficar a cargo do Direito Penal, por exigir conhecimentos especiais e específicos da matéria, que, a nosso juízo, estariam mais afeitos aos profissionais especializados, tais como psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras, terapeutas etc.

Nesse quadro, proibindo e criminalizando pesadamente qualquer contato carnal do cidadão com pessoas portadoras de enfermidade ou deficiência mental, estarão elas, por via indireta, proibidas ou impedidas de exercer, livremente, o direito fundamental à sexualidade? Estariam condenadas ao onanismo? Restar-lhes-ia tão somente a satisfação via masturbação? Estas não são apenas interrogações abstratas ou teóricas, mas conclusões lógicas e inevitáveis diante da forma com que foram tratadas pelo preconceituoso legislador contemporâneo !

Certamente, se fazem necessários alguns cuidados e muitas cautelas no reconhecimento e na proteção desse direito de pessoas portadoras das anomalias referidas pelo legislador. Contudo, a necessidade de tratamento especial da questão não autoriza que se impeça, mesmo indiretamente, que tais pessoas possam exercer livremente a sua sexualidade, como decorre do atual texto legal. Admitimos, no entanto, que eventual relacionamento afetivo/amoroso com pessoas portadoras de reconhecida enfermidade ou deficiência mental não pode ocorrer nas mesmas circunstâncias em que acontecem com as demais. Até porque, via de regra, pessoas nessas condições, integradas às famílias constituídas, são objeto de preocupação e acompanhamento de seus familiares, amigos, enfim, de pessoas encarregadas de acompanhar seu dia a dia, em prol de seu bem-estar e de sua segurança. 

Pois esse mesmo “aparato protetor” que as acompanha perceberá ou constatará, no quotidiano, suas manifestações, sentimentos, sensações relacionadas à carência afetiva de relacionamento ou mesmo ao interesse pelo sexo oposto; na mesma linha, observará, se acontecer, o eventual interesse de outra pessoa, correspondendo às manifestações daquelas. Enfim, a aproximação, nesse sentido, deverá prosseguir com acompanhamento, consentimento ou até mesmo anuência dessa equipe que as protege, acompanhada da autorização da família.

Mas isso é apenas uma reflexão exemplificativa de como as coisas podem acontecer, e, a despeito de raras, não podem ser ignoradas e tampouco desprezadas pela sociedade, particularmente, pelo ordenamento jurídico em um Estado Constitucional e Democrático de Direito. O que é inadmissível, por todas as razões expostas, é a sua repressão, condenando enfermos ou deficientes mentais ao infortúnio, ao tratamento desigual, inconstitucional e perverso, que lhes tolhe o livre exercício da sexualidade, como demonstramos acima.

Apenas para ilustrar, trazemos à colação um fato que tivemos oportunidade de vivenciar, e que demonstra muito bem a situação de pessoas consideradas enfermas ou deficientes mentais, conforme passamos a narrar: alguns anos atrás, após encerrarmos uma palestra, em uma capital do nordeste, um amigo aproximou-se e nos disse:
“— Professor, antes de irmos para o jantar, vamos passar em minha casa, quero mostrar-lhe algo !

— Ok, vamos lá — respondemos-lhe, educadamente.”

Chegando em sua casa, abriu-se a porta e veio um menino (de dez anos) lindo, de braços abertos, sorridente, radiante e feliz, a abraçar o seu pai; houve uma cumplicidade extasiante, incrivelmente bonito de se ver. Apresentou-nos o filho, e nos confessou: esse menino é a minha vida, uma preciosidade, alegre, inteligente e participativo, próprio da idade! Uma peculiaridade especial fazia-se notar, de plano, qual seja, a inegável constatação de que se tratava de uma criança portadora da síndrome de down. 

Ficamos comovidos, emocionados com a cena, com os olhos marejados, aliás, até agora só de lembrar daquele momento comovente nos arrepiamos.

Pois, o orgulhoso pai segreda-nos:

“— Professor, agora aos dez anos, ele começou a manifestar interesse pelas menininhas, apontando-nos ora uma, ora outra...”

E, emocionado, acrescenta nosso amigo:

“— Para poupá-lo, procurei orientá-lo, sugerindo que ele deveria interessar-se por uma ‘downzinha’, igual a ele, que seria melhor e mais fácil de eles se entenderem... Para minha surpresa, responde-me meu filho, altivamente:

— Não pai, não quero uma ‘downzinha’, quero outra menina diferente!”.

E, para nosso espanto, nosso amigo se pôs a soluçar !

Nunca mais esquecemos dessa cena, que só fez aumentar nosso respeito, carinho e consideração por pessoas portadoras de anomalias semelhantes, reconhecendo, mais do que nunca, que são seres humanos, iguais a nós, dotadas de sentimentos, de emoções, desejos e aspirações, para os quais a sociedade, em geral, e o Poder Público, em particular, precisam, urgentemente, direcionar um novo olhar; é necessário assegurar-lhes tudo o que for possível para torná-los “mais iguais” aos seus semelhantes, garantindo-lhes tratamento igualitário, no mínimo, respeitando a sua dignidade humana, além de tornar efetiva suas garantias fundamentais, constitucionalmente asseguradas.

Em uma pesquisa de campo, as psicólogas Patrícia Francisca de Brito e Cleide Correia de Oliveira, examinando como os profissionais da saúde concebem a sexualidade de doentes mentais, particularmente, daqueles violentos ou internados em manicômios, chegaram a seguinte conclusão: “Por todos os resultados aqui apontados evidenciamos a negação e repressão da sexualidade do doente mental, e como comprovação dessa negação os próprios profissionais citam a intensa verbalização que o doente mental expressa, esta seria a única forma que lhes é permitida de exercer a sua sexualidade. 

Acreditamos que as concepções que os profissionais carregam consigo a respeito da sexualidade dos doentes mentais influenciam diretamente na forma de ver e agir frente a esse sujeito. Para que se alcance a promoção da saúde mental desses indivíduos não se pode ignorar esse aspecto da sua subjetividade, do contrário será infrutífero o tratamento assistencial, pois o homem vai muito além da sua dimensão física e, portanto, o tratamento deve transcendê-la” . 

Essa pesquisa de campo, embora se refira aos doentes mentais violentos e envolvidos com a seara criminal, e, por isso mesmo, internados em manicômios , demonstra a forma preconceituosa como os doentes mentais são tratados, sob a ótica da sexualidade, e inclusive como são controlados (dopados) no interior desses estabelecimentos públicos. Mas serve para comprovar o que estamos afirmando, ou seja, que doentes e deficientes mentais também têm suas necessidades sexuais, e precisam receber a atenção que merecem. Contudo, neste estudo, estamos tratando daqueles enfermos ou deficientes mentais pacíficos, que vivem no interior dos seus lares, pois é exatamente deles que o Código Penal trata e pretende “proteger” da violência sexual. Não aprofundaremos o estudo desses aspectos, neste limitado espaço, por não ser o objeto de nossa preocupação, que pretende apenas examinar a forma discriminatória como são vistos especialmente no contexto normativo, médico ou social. 

Concluindo, ainda que, in concreto, se comprove que a vítima realmente não tem “o necessário discernimento para a prática do ato”, não pode ser ignorado o direito à sexualidade dos portadores de enfermidade ou deficiência mental. Por fim, nessa linha de raciocínio, estamos cobrando, das autoridades constituídas, um novo tratamento, sem preconceitos, para todas as pessoas portadoras de alguma enfermidade ou deficiência mental, ao contrário do tratamento que o atual diploma penal lhes reserva, presumindo-os assexuados.